Telma Elorza
Ela escorregou num pedaço de casca de banana. Nem foi numa casca inteira, dessas de desenho animado. Mas o efeito foi o mesmo. Pernas para o alto, braços para os lados e o bumbum – como querem os mais recatados – no chão. Na frente do bar lotado, claro, que desgraça pouca é bobagem. Risos altos, intensos. A gorda se estabacou no chão. Cena de videocassetada do Faustão para risos dos que acham que desgraça alheia é engraçada, ainda mais se a vítima pesar mais que três arrobas.
Com o rosto vermelho de vergonha, se levantou desajeitadamente. A culpa nem era dela, mas de quem jogou um pedaço de casca de banana na calçada. De alguém que não varreu direito. Mesmo assim agia como se fosse culpada pelo tombo. Pelo espetáculo. Ninguém – entre os moços fortões e as moças bonitas que riram, sentados no bar – ajuda. Estão muito ocupados comentando o tombo, o gestual, a cara da gorda ao cair. Ninguém percebe o filete de sangue que escorre do braço direito dela, a contração de dor no rosto corado.
Com a máxima dignidade que pode reunir, tentando absurdamente não ouvir as chacotas e segurando as lágrimas num esforço hercúleo, vai recolhendo os pertences que se espalharam para todos os lados: óculos, sapatos, bolsa, livros. Tenta se concentrar naquilo que faz para evitar que a humilhação seja maior. Mas, ao tentar alcançar um dos livros, uma mão absolutamente suja – negra de fuligem dos dedos ao cotovelo – o agarra primeiro. E o recoloca na sua mão com gentileza.
Surpresa, percebe que o mendigo que tinha ignorado – “desculpe, não tenho trocado (sempre pede desculpas ao recusar a esmola)” – alguns momentos antes do tombo é a única ajuda que dispõe. Olhos gentis num rosto sujo. Olhos compassivos de quem sabe o que é levar chutes da vida. Parou, respirou fundo enquanto ele, com agilidade, vai recolhendo o resto das coisas. Sorriu. Agradeceu. Ganhou um sorriso sujo e um “vá em paz, irmã”. Foi.
Foto: Pixabay
1 comentário
Excelente.