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Quando a divisão vira soma

Raquel Santana (*)

O lado bom de viver em comunidade é que aprendemos a dividir. Quem vem de uma linhagem de quatro irmãos sendo a última do degrau, aprende na prática, já em casa. Mas o dividir que falo aqui vai além do material. Claro que em uma casa com seis mulheres, nada mais normal do que as roupas circularem. E na Casa Verde elas iam e vinham em corpos diferentes, dependendo da ocasião.

Dito isso vale lembrar que hoje em dia as pessoas andam muito egoístas. O “eu” vem antes do coletivo. Sempre digo que só quem tem muitos irmãos, ou morou em república, sabe o valor da divisão. Como disse, sou a última do degrau. Então, lá em casa, as roupas eram aproveitadas do primeiro ao último da escada de quatro irmãos, sendo que os do meio eram meninos, e eu a caçula da troupe.

Pra piorar, minha mãe cortava meu cabelo no estilo “Joãozinho “, para evitar os piolhos da escola. Mas não adiantava. Eles me amavam. E dá lhe Neocid. Eu odiava. Minha teoria é que se alguém passar com uma infestação na esquina, eu pego.

Aposto que você coçou a cabeça agora, nesse exato instante. Quem nunca, já que esse pequeno ser pré histórico está na terra desde sempre? Já adulta e com filha pequena na escola, claro que voltei a pegar. O bom é que hoje basta um shampoo pros bichos partirem dessa pra melhor.

Por conta disso, passei praticamente uma vida toda de cabelo curto. Hoje, com os brancos ganhando dos pretos na corrida do tempo, resolvi deixar crescer. E descobri que tenho cachos. Lindos. Estou amando. Com tantos produtos no mercado, ficou fácil ter e manter.

Mas voltando ao assunto dividir, depois de morar em comunidade, a gente fica mais solidário. Sempre que vejo alguém com dificuldades de moradia, quero levar para casa. Além da renca de irmãos, venho de uma família de origem árabe. Cresci com minha mãe contando que minha bisavó Maria distribuía comida pros pobres na fazenda da família.

Quando volto para a minha cidade, no interior de São Paulo, ainda ouço histórias sobre ela. Com o passar dos anos, a fazenda virou distrito da cidade. Não herdei um lote. Muito menos minha mãe. É que a bisa árabe não sabia ler em português. Além disso, era mulher numa família machista. Resultado é que os irmãos a passaram para trás na herança.

Dinheiro a gente não herdou. Mas o espírito solidário permanece na família até hoje. E como dividir sempre resulta em soma, sigamos dividindo que esse mundo anda muito egoísta. Reparta, nem que seja o cabelo no meio.

(*) É jornalista radicada em Curitiba mas apaixonada por Londrina

Foto: Pixabay

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