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Punk da periferia

Raquel Santana (*)

Londrina sempre foi uma referência em teatro. E entre as décadas de 1980 e 1990 viveu o seu auge. Tínhamos e ainda temos muitos amigos na área. Em uma das edições do Filo – Festival Internacional de Teatro de Londrina -vivemos uma situação inusitada, pra variar.

Não sei quem da nossa república resolveu oferecer nossa casa para uma apresentação teatral. O lance era tão sério que até entramos no programa do Festival. Empolgados, os amigos vieram todos, alguns (bem) vestidos para a ocasião. Vale lembrar que nosso cafofo era um amplo casarão em madeira, localizado nas esquinas das ruas Paranaguá com a Sergipe. Pintado de verde por fora, ficou conhecido entre a comunidade universitária de “Casa Verde”.

Nossa república era bem eclética, tinha estudantes de Jornalismo , RP, Arquitetura e Economia. Nela, circulavam todas as tribos. Naquela época, as portas estavam sempre abertas – literalmente. Não me lembro de ter as chaves de casa.

Recém lançada ao mundo, vinda lá do interior de São Paulo, tudo era novidade para mim. Apaixonei-me perdidamente pelo mundo das artes. Cinema, teatro e música, principalmente. Íamos ver todos os circuitos de cinema da cidade, e neles tirei o atraso por não ter tido acesso anterior. Semanas inteiras de Fellini, Pasolini e Kurosawa, só para citar alguns. Todos devidamente degustados a posteriori, em longas conversas no Clube da Esquina ou no Valentino.

O Cine Teatro Ouro Verde era o grande palco dos festivais, tanto os de teatro quanto os de cinema. Naquela época, filmes só nos cinemas ou nas locadoras. E foi na porta de uma delas que achei certa noite jogado no lixo, um cartaz do filme “A mulher do tenente francês “, com a Meryl Streep. Além de ter assistido, e gostado, do filme, o cartaz era lindo. Não tive dúvidas, levei pra casa.

Na sala, o pôster intrigava porque em qualquer lugar que se estivesse, a personagem da Meryl olhava para a gente. Lindo. Pegava metade da parede da sala. A mesma sala onde a tal peça de teatro iria acontecer. Cenário perfeito. Tiramos os poucos móveis do lugar, jogamos tapetes e almofadas no chão, reunimos uma boa galera e ficamos no aguardo do grupo teatral. Bem, é aqui que os fatos se iniciam.

Primeiro, o tal grupo era um grupo de teatro Punk. Todos devidamente alfinetados e cobertos de couro da cabeça aos pés. Quer dizer, do pescoço aos pés pois os moicanos mal passavam na porta. Eles já entraram causando. A tal peça incluía gritos e provocações, como bebidas jogadas no público. Pra falar a verdade, nem prestei atenção no texto, de tão chocada que estava. Lá pelas tantas, o “ator” principal invoca com uma amiga nossa porque ela estava de salto alto. Bate boca, a turma do “deixa disso“ entra em ação e eu já com o que vocês sabem o que nas mãos.

Mas foi quando a ira Punk chegou no meu cartaz da Meryl que o caldo entornou. Lembrando que a casa era de madeira, o indivíduo me saca um isqueiro do bolso e queima meu pôster. Virei o djanho, o capeta, o cão chupando manga. Botei todo mundo para fora. Antes que a Polícia ou o Corpo de Bombeiros fizessem parte do enredo.

(*) Jornalista radicada em Curitiba mas uma eterna apaixonada por Londrina

Foto: Sex Pistols


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