Por Ana Paula Barcellos
A moda sustentável é um conceito que vem ganhando espaço nas prateleiras e discursos de marcas, influenciadores e consumidores. Mas, diante de coleções “eco-friendly” que se multiplicam e promessas de redução de impactos ambientais, surge a pergunta: trata-se de um movimento legítimo ou apenas uma estratégia de marketing?
O que é moda sustentável, de verdade?
A moda sustentável não se resume ao uso de tecidos orgânicos ou embalagens recicláveis. Seu conceito abrange toda a cadeia produtiva: desde a extração de matérias-primas com baixo impacto ambiental, passando por condições de trabalho justas, até a durabilidade das peças e a possibilidade de reciclagem ou compostagem no fim da vida útil. O objetivo é romper com o modelo linear (produzir-usar-descartar) e adotar um ciclo regenerativo, onde os recursos são reaproveitados e os danos socioambientais, minimizados.
O problema é que muitas empresas adotam práticas superficiais — como lançar uma coleção com 10% de algodão reciclado — enquanto mantêm volumes gigantescos de produção e salários precários em suas cadeias. Esse greenwashing (maquiagem verde) confunde o consumidor e esvazia o sentido original da sustentabilidade.
O mercado de segunda mão é apontado como uma das alternativas mais viáveis. Plataformas como ThredUp e Vestiaire Collective ganharam relevância ao promover a extensão da vida útil de roupas e acessórios, reduzindo o desperdício. No segmento de luxo, o fenômeno é ainda mais expressivo: brechós especializados e sites de revenda faturam milhões atraindo quem deseja peças de grife a preços menores e, supostamente, com “impacto positivo”.
Apesar dos benefícios, há nuances. O second hand depende do excesso de consumo anterior: sem o fast fashion produzindo 150 bilhões de peças por ano, não haveria tanto estoque para revender. Além disso, a logística por trás dessas plataformas — transporte internacional, embalagens plásticas, energia para armazenamento — nem sempre é neutra em carbono. No luxo, a revenda pode até incentivar a compra de novos itens, já que consumidores se sentem “autorizados” a adquirir mais, sabendo que poderão repassar.

No Brasil, recentemente tivemos o caso da TROC, principal plataforma second hand de luxo do país que teve suas atividades encerradas do dia para a noite, sem aviso, porque, segundo os donos da marca, ela não era suficientemente rentável. Ou seja, o conglomerado a mantinha na “carteira” apenas para vender uma imagem “eco-friendly“?
Muitas outras iniciativas do gênero alegam sustentabilidade, mas carecem de transparência:
Marcas “carbono neutro”: Compram créditos de carbono para compensar emissões, mas não reduzem efetivamente sua pegada.
Tecidos inovadores: Fibras de garrafa PET ou “couro” de cogumelo são avanços, mas ainda dependem de processos químicos complexos e escala limitada.
Aluguel de roupas: Reduz o acúmulo no guarda-roupa, mas o transporte frequente entre usuários pode anular os ganhos ambientais.
Até onde a moda consegue ser sustentável?
A indústria da moda é, por natureza, poluente: responde por 10% das emissões globais de CO₂ e 20% do desperdício de água. Enquanto o modelo de negócios girar em torno do consumo acelerado — mesmo que disfarçado de “circular” —, os avanços serão parciais. O second hand e as inovações em materiais são passos importantes, mas insuficientes se não houver redução drástica na produção e, principalmente, mudança cultural em relação ao desejo por novidade constante.

A verdadeira sustentabilidade exige ruptura: marcas precisam priorizar qualidade sobre quantidade, governos devem regular práticas predatórias e consumidores precisam repensar o que é “necessário”. Enquanto isso, a moda sustentável seguirá sendo um paradoxo: um sonho urgente, mas ainda bem distante da realidade.
Ana Paula Barcellos

Viciada em botas, sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências. Tem foto da Suzy Menkes na estante e escreve essa coluna usando pijama velho, deitada no sofá enquanto toma café com chocolate. Me siga no Instagram Me siga no Instagram @experienciasdecabide e @yopaulab
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