Por Ana Paula Barcellos
Tem um vídeo bombando no Instagram: uma mulher contava que escolheu um vestido com detalhe em couro na cintura para ir à formatura da enteada. Durante a festa, o detalhe começou a se desfazer, a esfarelar todo (quem mais já perdeu uma peça de couro “ecológico” assim?). E ela passou a noite soltando pedaços pretos pelo chão, pela mesa etc.
LEIA TAMBÉM
Eu, brecholenta e comentadora de internet, larguei lá meu tostão no meio dos comentários que ferviam: “Por isso que odeio couro sintético. E muito mais sustentável é comprar uma peça de couro legítimo vintage.” E aí, uma querida me chamou no direct para trocar uma ideia sobre isso – e sobre como está difícil comentar certas coisas nas redes sociais porque muita gente cai matando.
Claudinha (Cláudia Cardoso, 40) criou a RockOut Bolsas (@rockoutbolsas) em 2020 e confecciona bolsas, carteiras e outros acessórios absolutamente incríveis com pegada rocker. Ela, que ainda trabalha com material sintético, já se prepara para substituir por couro animal reciclado – e também para perder clientes.
“Vou começar a fazer bolsas em couro ou recuperadas. Comprar, desmontar e fazer virar uma nova com outra cara . Mas já estou preparada para perder seguidores. Porque preferem viver a ilusão de que o sem origem animal é mais ‘bonito e cheiroso’”, desabafa.
Fotos: @rockoutbolsas
O lance todo começa por aí: couro ecológico não é couro (nem adianta viajar na etimologia freestyle) e, mais importante, não tem NADA de sustentável como o nome quer fazer parecer. E, horas depois da nossa conversa, percebi que a Claudinha alugou um apartamento todinho na minha cabeça.
Couro ecológico?
Os materiais sintéticos (PU e PVC) são à base de petróleo, também são plásticos, e podem levar mais de 100 anos para se decompor – além de não durarem muito tempo, mesmo cuidando (e dá-lhe cera de carnaúba). O couro animal dura uma vida humana toda e, em caso de descarte, demora poucos anos para se decompor (mesmo o tingido). É óbvio que, por ser um plástico proveniente do petróleo, não tem como ser sustentável, mas encarar os números de forma nua e crua faz a gente pensar mais ainda.
Uma parcela da Indústria da Moda, claro, se aproveita do fato do couro sintético ser vegano para garantir um público cativo – que o capitalismo se apropria de tudo e de todas as causas. Mas é preciso lembrar que vegano nem sempre é sinônimo de sustentável.
Sobre isso, a Claudinha pontua: “Eu também uso a informação de que minhas peças são veganas, mas nunca digo que o material utilizado é sustentável ou ecológico.”
E falar sobre isso é importante e nada fácil também, muita gente simplesmente não quer ler/ouvir sem atacar, virou assunto polêmico e indigesto.
Claro que é importante pensar em colocar um fim no sofrimento animal, mas quando a gente toma uma decisão de grande impacto, precisa pensar no contexto de forma muito mais ampla e antecipar uma série de outras questões e desdobramentos. Não dá pra solucionar um problema criando outro e o ser humano se acostumou a pensar na ordem inversa: quer a utopia antes da revolução.
Sei que já existem inúmeras iniciativas visando a produção de materiais sintéticos realmente sustentáveis, mas esses ainda não são acessíveis para o grande público. Enquanto isso não acontece, a melhor saída para evitar gerar mais sofrimento animal e impactos ambientais negativos é mesmo reciclar o couro que já foi usado em confecções, ora.
Eu ainda quis saber da Claudinha: como surgiu o interesse por trabalhar apenas com material sustentável? A resposta é importante também.
“Veio naturalmente, da minha educação. Em casa todo lixo reciclável é separado (mesmo óleo usado), cada um vai no seu devido lugar. Acabei levando isso para meu ateliê: eu ainda trabalho com material sintético (PVC) e por ser um material poluente eu tento descartar o mínimo possível, com planejamento de cortes e reaproveitamento dos retalhos. Infelizmente, em Londrina, ainda não há iniciativas de reciclagem de tecido sintético em grande escala – o que é uma pena, ajudaria muito”, ela diz.
Como tudo que é importante, começa pela educação: educar para cuidar, reciclar, reaproveitar etc. E é bom ouvir esse tipo de posicionamento de quem você admira e das marcas que você compra.
Claro, não é pra ninguém se desfazer correndo das peças que já comprou (minhas bolsas da RockOut ainda estão perfeitas e vão continuar por aqui). E nem todo mundo pode sair comprando couro legítimo, né? A gente, com nossas limitações, faz o que é possível. Eu tenho algumas peças de roupa em sintético e, sempre que possível, vou trocando por couro, faço o mesmo com bolsas mais antigas e outros acessórios. Ter consciência e procurar alternativas já é meio caminho andado.
Ana Paula Barcellos
Viciada em botas, sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências. Tem foto da Suzy Menkes na estante e escreve essa coluna usando pijama velho, deitada no sofá enquanto toma café com chocolate. Me siga no Instagram @yo.anap e @experienciasdecabide
Foto principal: Pinterest
Leia todas as colunas Em Alta
(*) O conteúdo das colunas não reflete, necessariamente, a opinião do O LONDRINENSE.