Pare de forçar Londrina a ser londrina

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Por Ana Paula Barcellos

Na semana passada, em um dos 3 dias que deu pra brincar de sentir frio, uma foto chamou minha atenção no feed do Instagram: era uma imagem do Calçadão que mostrava uma das cabines telefônicas vermelhas no estilo inglês com alguma neblina em volta, com uma legenda fazendo referência à capital da Inglaterra. Ah, Londrina.

Essa associação, em si, não é novidade, né? A gente cresce ouvindo que o nome do nosso município significa “Pequena Londres” – na verdade, quer dizer “filha de Londres” – e que foi fundada por ingleses. Mas as parcas “ligações” que foram estabelecidas com as terras que ficam no Velho Continente terminam por aí. Sendo assim, por quê os londrinenses fazem tanta questão de forjar parentesco entre duas cidades que em nada se parecem?

Falando de forma mais direta e realista, nossas terras foram loteadas por um inglês, que as batizou fazendo uma homenagem à sua cidade Natal. Um grupo de ingleses, apenas, permaneceu por aqui. Não dá nem pra falar em colônia inglesa, de fato, não dá pra falar em colonização!

Não adotamos os costumes ingleses – você sabe a que horas acontece ou o que se come no tradicional chá da tarde inglês, replica na sua casa? Não adotamos a realeza britânica; não herdamos nem um pouquinho daquele sotaque que corta o ar como faca, tampouco integramos fish and chips à nossa dieta ou aderimos ao breakfast britânico – que inclui aquele feijão “interessante”. A única referência ao Beatles que existe em Londrina foi feita pelo sebo Capricho. Indo mais além, quantas pessoas por lá sabem de nossa existência como cidade?

Não consigo entender essa associação como um traço “charmoso”. Tambem não é forte o suficiente para servir como atrativo turístico. Acaba ficando mais como uma forçada de barra meio “cafona”, né?

Londrina foi forjada por camponeses e comerciantes. Somos uma cidade do interior com raízes agrícolas e pecuárias, e nossa cultura reflete isso.

Londrina com R caipira

Nosso “R” puxado é caipira mesmo, não adianta justificar de outro jeito; somos gente da fazenda, da gleba, descendentes de outros camponeses e comerciantes (muitos deles europeus), que escuta sertanejo e tem uma festividade agropecuária como seu principal evento. A ExpoLondrina é nossa “festa da colheita”, onde são exibidas as melhores cabeças de gado da região e maquinario agrícola de última geração – e a gente celebra tudo isso com muita música de origem caipira. Percebem?

Aconteceu que nós, brasileiras e brasileiros, vimos nosso país surgir e existir dentro de um projeto de colonização e exploração europeu. Aprendemos a contar a História da humanidade pelo viés eurocêntrico, fomos ensinadas e ensinados que cultura “refinada” e “erudita” é a europeia. Desejável é conhecer e viver em Portugal, Espanha, Itália ou França, por exemplo; arte europeia que é boa mesmo, de qualidade “superior”, a música clássica ocidental se “resume” à alemã e francesa, praticamente. Não foi assim que nos ensinaram a repetir?

Mania que se tem de falar que Londrina é a pequena Londres, quando, na verdade, não  adotamos hábitos ingleses. Nosso R puxado é caipira mesmo, somos descendentes de muito camponeses e a gente festa com música sertaneja.
Pra que forçar ‘parentesco’ entre Londres e Londrina? Foto: Foto: JorgeWoll/SEIL/DER

Nesse contexto, pode ser mesmo um processo árduo e complexo o de encontrar, e, principalmente, valorizar nossa própria identidade e apreciar de verdade a cultura do nosso povo – que também é nossa cultura. Penso que, antes de apreciar outras culturas, é importante entender e apreciar a cultura da nossa terra. É importante entender que elementos integram de fato nossa própria cultura e nos apropriarmos dela com orgulho.

Um bom caminho pode ser o de explorarmos com mais entusiasmo nossa história e todas as suas particularidades, tradições, culinária e arte. Puxar lá de trás, tentar perceber como fomos encontrando nosso jeito de fazer as coisas, de viver a vida, celebrar e existir, nos expressar. Como londrinenses, penso que precisamos buscar formas de criar uma conexão maior com nossa identidade, com todas as nossas “camadas culturais”.

E assim como não fez sentido trocar o piso do Calçadao, não faz sentido ter cabine telefônica ornamental estilo inglês, passarela do Big Ben. É preciso aceitar que nossa little neblina, cada vez mais fraca e difusa, não tem a ver com o fog londrino… Nosso clima é quente e seco, com chuvas irregulares, cada vez mais escassas – e cada dia que passa, mais parecido com o do sertão, inclusive!

Foto principal: Freepik

Ana Paula Barcellos

É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal.

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(*) O conteúdo das colunas não reflete, necessariamente, a opinião do O LONDRINENSE.

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