Domingo pacato demais e reflexões sobre esse lado do Norte do Paraná

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Por Ana Paula Barcellos

Londrina é uma cidade interiorana, sabemos. Apesar da alma ambiciosa e do espírito que se pretende livre, segue sendo uma cidade interiorana até o talo. E tudo bem, faz sentido: colonizada, raiz conservadora – e nem centenária é ainda, é um município menina. O progresso avassalador e, muitas vezes, destruidor e inconsequente, chegou até aqui com gente de fora que queria que esse lugar fosse sinônimo de dinheiro e de futuro, aquele futuro que significa estar na frente, progredindo e progressando.

Eu queria que Londrina ainda fosse uma garota do futuro. Que ainda fosse sinônimo de progresso real, que ainda fosse efervescente – tanto cultural quanto economicamente – que ainda fosse o lugar “onde coisas legais acontecem”, onde a gente sente aquele cheiro bom de possibilidade. Mas não é, nossa cidade tem sido muito “o que a gente tem pra hoje”.

Domingo é um dia em que Londrina se mostra mais interiorana. No fim de semana, bate uma melancolia porque a cidade morre, sem programação cultural.
Foto: J.Juliani

Quando chega o fim de semana e estou por aqui me bate uma espécie de melancolia, um blues mesmo. Londrina morre, literalmente. Quando não tem programação cultural em algum lugar, sobram os shoppings, o Ifood e os streamings. Dois dias com jeito de fim de Fantástico, que passam com uma lentidão impressionante e, por vezes, angustiante! E é sempre no fim de semana que eu me lembro e sei, sem sombra de dúvida, que somos essa cidade, de corpo e alma.

É no fim de semana pé vermelho que eu quero ir bater perna no centro e me lembro que não tem nada lá pra ver; justo nesse fim de semana eu encaro o olhar curioso e interrogativo do entregador do restaurante gourmet que não entende porque raios está entregando coração de alcachofra perto da quebrada pruma pessoa que usa legging e moletom e não na Gleba Palhano. Pra piorar meu sentimento, hoje tem nenhuma pipa rasgando o céu pra me inspirar, mesmo ele estando com aquele azul de domingo. Paciência…

Domingo vazio, segunda agitada

Acho que por isso eu tenho preferido os dias úteis nessas terras. Acordo animada em plena segunda-feira e respiro fundo cheia de gratidão quando o motorista do aplicativo me pergunta se sou professora já que estou indo pra APP Sindicato e ele quer entender mais sobre a greve e o projeto do Governador que tem como objetivo tirar de vez os estudantes pobres das escolas do Paraná. Ele quer entender porque a filha dele estuda no Lurdão e ele está preocupado. Eu também estou, Carlos! Quando eu falo sobre isso, eu falo com medo. E eu nem sou mais professora…

Mesmo com medo, disso e da avalanche de notícias ruins que vou ter que encarar em mais uma semana que se inicia – porque Londrina faz parte do Paraná e do Brasil, e isso já diz muito -, eu prefiro esses dias. Dias em que o Calçadão respira, em que a cidade está cheia e que, mesmo com tanta injustiça e com tanto problema, é preciso e também possível lutar. Tenho preferido os dias de guerra aos dias de paz porque, pelo menos, nesses dias me lembro que certas mudanças são sim possíveis, se a gente de fato quiser que as coisas mudem e se esforçar pra acontecer – porque pra ter mudança a gente precisa fazer parte do esforço, tem que ir pro combate, não tem jeito.

Aos domingos eu sou obrigada a encarar a lembrança e o fato de que Londrina segue interiorana e elitista; de que tem entregador e motorista que acha que está mais próximo do coach financeiro do que de mim, que moro perto da quebrada, e que vale a pena investir o dinheiro ao invés de recolher o INSS; que, hoje, se eu quiser sair de casa agora, agorinha, se quiser ver gente, tenho que ir pro shopping. Saudade, já, da cidade adulta que Londrina quase foi mas ainda não é…

Foto principal

Ana Paula Barcellos

É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal.

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Leia mais Crônicas de uma cidade

(*) O conteúdo das colunas não reflete, necessariamente, a opinião do O LONDRINENSE.

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