A Londrina do canto de cá, do bairro

WhatsApp Image 2024-04-28 at 13.15.54

Por Ana Paula Barcellos

Morar em um bairro – mais ainda se for um bairro mais periférico – é mesmo muito diferente que morar na região central, mesmo não estando longe dela. Dia desses, me arrumava para sair de manhã cedinho, e ouvi meu marido, Mateus, gritar do quintal: “Alá, deixaram os porcos passear hoje” (ele conseguiu fotografar e o click ilustra esta coluna). Nessa manhã foram os porcos, mas tem gente que cria patos, gansos, cisnes etc.

Fazia tempo que a gente não via porcos correndo pela rua. A última vez, se me lembro bem, foi em 2021, em um trecho próximo à Avenida Santa Mônica onde estava sendo montado um circo que passava pela cidade. Imagine: inverno, 6h45 da manhã, o céu ainda acordando, meio escuro (a lua aparecendo ainda), uma lona de circo arriada e porcos correndo em frente. Foi surreal e lamentei não ter fotografado.

Bairro tem circo raiz, boteco e porcos (ou cavalos, gansos ou patos) correndo nas ruas.
O circo que veio pro bairro. Foto: Facebook Zodiak

É como estar ainda mais no interior do interior. Bairro tem circo raiz, de verdade. Nada a ver com circo de shopping. É daqueles da nossa infância nas décadas de 1980 e 1990, outra vibe, quem viveu sabe. Quem não viveu, só chegar no bairro numa noite de circo.

E tem as padarias do bairro, que eu amo. Aquela rosquinha por R$ 1,50, também com gosto de infância, só em bairro. Oli lembrou esses dias que todas as nossas padarias preferidas são em bairros, as melhores para sentar numa mesinha e tomar café ou lanche da tarde. Detalhe: para chegar em uma dessas padarias você vai passar por um descampado e, nele, invariavelmente, terá um cavalo “pastando” tranquilamente. Ou dois.

Comum nas casas do bairro. Foto: Acervo pessoal

Não posso deixar de fora os botecos do bairro. Se você passa sempre por eles, compra nem que seja uma paçoca e cumprimenta todo mundo, pode saber: todos os tios do boteco sabem seu nome, mesmo que você não saiba o deles. Quando estou meio chateada, gosto de parar sozinha em um deles para tomar um litrão e ficar sentada ouvindo música – geralmente sertanejo, moda de viola.

Num desses dias tristonhos, passei pelo bar do Cido e fiz uma fezinha – sempre faço na 63 quando estou triste. Dias depois, mais feliz, voltei pra buscar uma latinha (sentiu a diferença?) e Cido me disse que eu tinha ganhado e não tinha sacado o prêmio: “Certeza sim que é jogo seu, só você joga desse jeito”. E era mesmo, saí ainda mais feliz e fui cumprimentada por todos os tiozinhos – mesmo os que olham com desconfiança pras minhas fezinhas porque eu jogo diferente mesmo.

Uma intrusa apaixonada pelo bairro

Pipa no céu é todo domingo – Foto: Freepik

Aos fins de semana, é comum ver pipas cruzando o céu azul, bem alto. Elas riscam fino o azul desse céu que é o mais azul de todos. Às vezes a pipa não consegue ir tão alto e cai no seu telhado. Aí corre ajudar os meninos a encontrar um jeito de resgatar a pipa – porque você não sai abandonando assim sua pipa, todo mundo aqui sabe disso!

O mais difícil pra mim, morando em bairro, é varrer a calçada o tanto que precisa. Manter a calçada varrida, sem as danadas das folhinhas e dos matinhos, conta muitos pontos com os vizinhos e é o que comprova seu status como moradora de bairro. Piorou, confesso, mudando para uma casa que tem um ipê branco lindo na frente. Me derreto diante do tapete branco majestoso e protelo mais ainda a limpeza: “Deixa assim mais um pouco, é lindo, mamãe”, diz Oli. Aí me entreguei, confiscaram minha carteirinha.

Sou uma intrusa, eu sei. Mas amo mesmo estar no bairro. Imagina se os bairros fossem cuidados pelo poder público como deveriam, se tivessem a mesma atenção que o Centro ou a Gleba recebem? Seriam uma verdadeira preciosidade, uma joia ainda mais brilhante no meio do caos urbano.

Ana Paula Barcellos

Meu pai e minha mãe nunca tiveram problemas com idas ao cemitério e a velórios, e sempre levaram a gente junto, desde pequena. Sempre entenderam que a morte é parte fundamental da vida, no futuro

É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal. Siga os Instagram @experienciasdecabide e yopaulab

Foto principal: Arquivo pessoal Mateus de Oliveira

Leia mais Crônicas de uma cidade

(*) O conteúdo das colunas não reflete, necessariamente, a opinião do O LONDRINENSE.

Compartilhe:

Anuncie no O Londrinēnse

Mais lidos da semana

Anuncie no O Londrinēnse

plugins premium WordPress