Por Ana Paula Barcellos
Esses dias, por conta da mudança, precisei comprar um fogão. Estava eu, em uma loja popular, escolhendo o modelo mais escuro e econômico que pudesse encontrar. Uma moça, que acompanhava a amiga, exclamou surpresa: “Cadê a tampa de vidro do fogão, moço? Nenhum deles tem?”
Pois não tem mais, agora o fogão vem sem a tampa. “Menos uma coisa pra limpar”, brinquei. “Verdade, mas agora não tem mais onde pendurar o pano de prato. Minha mãe fazia isso, eu faço. Como vai ser?”
Ela não estava preocupada com a limpeza apenas, estava preocupada com a continuidade de uma tradição, uma cultura familiar que também representa a continuidade da poesia de sua vida. Eu comprei o fogão, sequer tinha parado pra pensar sobre a presença ou ausência da tampa de vidro. Nem questionei o vendedor, apenas comprei.
Voltei a me lembrar disso ao pegar uma corrida de carro com um motorista que odeia feira de rua – pois é, tem gente que odeia feira de rua, acredita? A justificativa dele: atrapalha o trânsito e faz sujeira e, por isso, a Prefeitura deveria acabar com as feiras todas.

Fiquei chocada. Como assim? É apenas uma manhã por semana por região (na Rua Alagoas são duas manhãs, que sorte a nossa!), ocupa apenas duas quadras e emprega perto de uma centena de pessoas, pelo menos. Essa foi a primeira coisa que perguntei: “Mas como faz com as pessoas que ganham seu pão na feira?” Silêncio. É, ele não tinha pensado sobre isso, apenas sobre como feiras são inconvenientes pra ele. “E não é só isso”, continuei, “as feiras são como patrimônios imateriais da cidade, fazem parte da nossa cultura. Manter as feiras é garantir não apenas a continuidade de uma tradição, mas também garantir a continuidade da poesia da vida, da vida que pulsa na nossa cidade”. Sim, as feiras são como o pano de prato na tampa de vidro da nossa cidade. Silêncio. Me deu a razão, disse que não tinha parado pra pensar dessa forma.

E, às vezes, é sobre isso, a gente não para pra pensar. Tá ali, girando na rodinha do rato e vai no automático, guiada pelas conveniências e olhando apenas para os nossos pés girando.
Tem gente, que nesse ritmo, asfaltaria a cidade toda se pudesse. Tiraria tudo que causa incômodo – até os incômodos inventados.
Pensar também na política
Na Política é assim também. Inventam incômodos, inventam problemas e querem convencer a gente de que é o normal. Venda tudo, privatize tudo, acabe com tudo o que é popular, com cada tradição, com cada bar de esquina, derrube aquela casa para erguer mais um prédio, aquela árvore “velha”. Assim, vão lucrando mais e mais, e acabando com a poesia da vida, com a cidade que pulsa.
Conhecidos que vivem na capital paulista estão sem energia elétrica há mais de 60 horas – são milhares de residências ainda no escuro. Ainda assim, deve ser reeleito o prefeito responsável pelo apagão. Como pode ser?, questionamos incrédulos. Mas estamos fazendo diferente? Ou vamos votar em quem pode acabar com a cidade e toda a poesia de vida, dificultando tudo e criando problemas que a gente ainda nem tem? Pra gente parar pra sentar e pensar. Pensar de verdade.
Foto principal: FourSquare

Ana Paula Barcellos
É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal. Siga os Instagram @experienciasdecabide e yopaulab
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