Por Ana Paula Barcellos
Recebi ontem uma mensagem no meu WhatsApp que falava com discurso sobre a urgência de divulgar um abaixo assinado. O motivo? Pedir que parem a implementação de um centro de atendimento a mulheres e crianças (algumas delas drogadictas) em situação de violência ou de rua. O local escolhido é uma casa situada na Av. São Paulo, bem no centro da cidade.
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A pessoa que escreveu a mensagem que recebi tomou todos os cuidados para não usar palavras preconceituosas, mas a mensagem velada está ali, totalmente perceptível: não quero gente pobre ou que já usou drogas se tratando perto da minha casa!
A mensagem trazia também o link para um vídeo, um fragmento de matéria de um jornal local. O apresentador, mais sensato, tenta estabelecer o tom dessa “conversa” com o espectador: Nesse centro estarão pessoas que querem mudar suas vidas, fazer delas algo melhor, e têm esse direito. Mas não funciona muito, parece. Nos comentários do vídeo, muita gente já decidiu: “solta todo mundo no deserto”, “leva pra tratar longe daqui”, “usou drogas porque quis” etc.
E por quê querem essas pessoas tão longe da gente?
A pessoa que encaminhou a mensagem fala na desvalorização dos imóveis do centro (que acontece há anos por inúmeros motivos), cita o tráfico de drogas em pontos conhecidos da região (bosque e cemitério, também acontece há anos); fala da presença de drogadictos que acabam sendo violentos e realizando furtos (há muitos anos já também, vários deles já tentaram me vender vaso de flores do cemitério, inclusive). Embora tudo isso já aconteça há muito tempo, ela insiste que vai virar problema de verdade por causa da presença do centro de acolhimento, que visa justamente colaborar com políticas públicas para melhoria de, pelo menos, uma parte do problema.
Pois no final da mensagem, a verdadeira preocupação da pessoa que a enviou se faz presente: o problema vai estar ainda mais perto de nossas casas! Ali, ela finalmente admite: não quer conviver com essas pessoas, com essa “escória”. Quer que sejam tratadas bem longe dali e dos seus. Pra mim, esse é o ponto.
E esse ponto tem nome: preconceito, aporofobia (aversão a pobre), política higienista. É querer “limpar” determinadas áreas urbanas tirando dela sujeitos considerados indesejáveis. É ignorar que essas pessoas, esses indivíduos, também têm direito à cidade e merecem receber a melhor assistência, no melhor lugar.
A casa onde está sendo montado o abrigo estava desocupada há mais de 5 anos. Nesse tempo, não vi empenho suficiente por parte dos moradores da região para exigir do poder público a solução dos problemas mencionados acima!
E o descaso com o cemitério São Pedro, que continua? Não me passaram nenhum abaixo assinado e ninguém quis se mexer quando propus começar um ou conversar sobre causa coletiva. O túmulo do meu pai, como tantos outros, segue vandalizado, esperando que eu e meus irmãos tenhamos meios para arrumá-lo.
Uma cidade responsável
Sim, cada indivíduo, cada sujeito, vai ter uma visão pessoal sobre esse assunto, a gente só não pode confundir liberdade de expressão com discurso de ódio disfarçado. E como cidadãos e cidadãs integrantes da nossa sociedade, também temos responsabilidade de cuidar e cobrar para que os problemas do nosso município sejam resolvidos. Esses problemas também são nossos problemas, e o fato de existir uma população em situação de rua tão numerosa, por exemplo, fala do nosso fracasso como sociedade! Algo que também não se resolve excluindo pessoas.
Excluir pessoas da cidade e impedir que elas recebam aquilo que lhes é de direito, é preconceituoso e anticonstitucional. A cidade é de todas as pessoas, inclusive das que a gente não gosta ou não quer por perto!
Imagens: Shutterstock
Ana Paula Barcellos
É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal. Siga os Instagram @experienciasdecabide e yopaulab
(*) O conteúdo das colunas não reflete, necessariamente, a opinião do O LONDRINENSE.