Por Ana Paula Barcellos
Utilizo serviço de carro por aplicativo todos os dias, pelo menos 3 vezes. Meu trabalho, junto com a rotina de mãe de uma pré-adolescente, faz com que eu precise me locomover muito. Em uma cidade como Londrina, pelo menos por enquanto, escolho não dirigir e não ter carro – um dos motivos é sim o problema na formação dos condutores londrinenses, mas isso é papo pra outra coluna.
Assim que entro no carro, fico a mercê do motorista e, muitas vezes, refém da conversa dele. Eu sou do tipo que conversa bem, dependendo do assunto, mas se me deixar quietinha olhando pela janela eu fico bem também, já que o trajeto percorrido pelo carro é dos poucos momentos em que posso me desligar um pouco de tudo, inclusive do celular.
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Também fico refém dos motoristas nas esquinas. E como andam sofridas as esquinas de Londrina, já perceberam? Muita gente pedindo ajuda, pedindo dinheiro, o tempo do sinaleiro nem dá conta de ajudar todo mundo, todas as vezes. E alguns motoristas também sabotam, por isso quando o carro para na esquina e tem gente pedindo nela, o incômodo começa.
Londrina e as pessoas de rua
Esses dias, um dos motoristas me enrolou para que eu não conseguisse abrir a janela e entregar alguns trocados para a moça que segurava uma plaquinha em um semáforo do centro da cidade. Se fez de desentendido, depois escondeu um meio sorriso. Se achou muito esperto e sabido, o motorista.
Eu, que evito os falsos moralismos – e muitas vezes evito o próprio moralismo em si – não fico perguntando se a pessoa vai comprar pão – a pessoa já está na rua, suja, pedindo dinheiro, misericórdia, né? A gente pode poupar e se poupar disso. E não acho que aqueles trocados serão salvadores ou me farão deitar com a cabeça mais tranquila no travesseiro. Pra mim, pessoalmente, essa pergunta nem se faz. Você entrega ou não, se quiser.
O que eu mais ouço, depois dessas pausas atravessadas pelos trocados que passam pelo vidro entreaberto, é como tem gente querendo vida fácil (não consigo entender como estar em situação de rua, seja como for, pode ser fácil, enfim), não querendo nada com nada. É como um Instagram ao vivo: você bate o olho na pessoa, naquela situação recortada, e acha que sabe tudo sobre ela e sobre sua vida, seus desejos. Nessas horas, muitas vezes só resmungo, escolho ficar quieta.

Esses dias, no entanto me surpreendi. Entrei com minha filha no carro, de manhã cedinho, e tinha um celular no banco de trás. “Vixe”, mandei sorrindo pra motorista. Sempre imagino o sofrimento de quem esquece o aparelho, já que a gente costuma levar boa parte da vida nele. A motorista concordou e disse que entregar aquele celular era ainda mais importante nesse caso, já que a dona é uma moça que precisa muito dele.
A dona em questão é uma moça que saiu na mídia local há algumas semanas por ter passado no vestibular da UEL. A chamada ficou conhecida: ex-moradora de rua passa no vestibular. Ex-moradora de rua, adicta, há 3 anos ela vem construindo uma caminhada de sobriedade com muito esforço, lutando para melhorar sua vida e a de sua família (de quem ela passou algum tempo separada).
A motorista foi narrando a conversa que teve com a moça enquanto a encaminhava para o centro de convivência do bairro e como tinha ficado feliz ao ouvir suas experiências, perceber como ela está se saindo bem e está animada com a nova vida e do quanto ela buscou encorajar e comemorar com ela. E falou tudo isso sorrindo.
Antes de chegar ao nosso destino, a dona do celular ligou para saber dele. Combinaram a entrega, as duas aliviadas. Desembarcamos pouco antes de outra esquina, menos sofrida essa. É possível se alegrar com a alegria do outro, ou, pelo menos, não torcer para o outro ficar na pior. A vida já é muito dura, a gente pode escolher fazer parte de ser alívio – ou pelo menos ficar quietinho olhando a paisagem pela janela.

Ana Paula Barcellos
É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal. Siga os Instagram @experienciasdecabide e yopaulab
Fotos: Pinterest
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