Pesquisa aponta moradores em situação de rua como maior problema de Londrina

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De acordo com o levantamento do Fórum Desenvolve Londrina, esta parcela da população preocupa mais que a questão da segurança na cidade. A região central é a mais atingida

Suzi Bonfim

O LONDRINENSE

Cerca de 10% da população do município de Londrina, pelo menos 60 mil pessoas, estão em situação de vulnerabilidade. A estimativa faz parte do estudo de 2022, publicado este mês pelo Fórum Desenvolve Londrina, denominado Perspectivas de trabalho e renda para londrinenses em situação de vulnerabilidade. Mas apenas uma parcela desses moradores realmente é lembrada pelos londrinenses conforme aponta a XI Pesquisa de Percepção da População sobre a cidade de Londrina que integra o estudo.  As pessoas em situação de rua estão em primeiro lugar no quesito: preocupações em relação ao município.

Na pesquisa realizada entre setembro e outubro do ano passado, dos 600 entrevistados, 35,3% citaram os moradores que vivem nas ruas como maior preocupação. Em segundo lugar, estão os buracos de rua e em terceiro, a segurança, com 34,0% e  26,8%, do total, respectivamente. O levantamento revela que a população da Região Central é a que considera quem está nas ruas a maior preocupação na cidade. São 52,5% dos entrevistados. Neste caso, outros 30,9% dos que se preocupam estão na Região Leste. 

Um dado que apresenta um recorte mais específico sobre este quesito demonstra que 41,2% da faixa etária entre 18 e 21 anos, a chamada Geração Z, é a que se sente mais afetada. Até 36 anos (Geração Y), 37,5%, entre  37 e 56 anos (Geração X), 32,9%. Entre os mais velhos, o percentual da pesquisa sobre a preocupação com as pessoas em situação de rua é de pouco mais de 20%.

CIDADE INVISÍVEL – O representante da Associação do Desenvolvimento Tecnológico de Londrina e Região (Adetec), Paulo Sendin, ressalta no estudo que “cidade invisível” ou uma “não cidade”, definem as regiões em situação de vulnerabilidade. “O que se observa é que a grande maioria da população londrinense não vê essa parte da cidade. É como se essas regiões em situação de vulnerabilidade simplesmente não existissem, embora abriguem uma parcela relevante dos londrinenses”, afirma o consultor. 

Para elaborar o estudo, em 2022, as quase 40 instituições que compõem o Fórum Desenvolve, realizaram 17 sessões de palestras, debates e uma visita técnica para obter as informações e análises sobre os problemas e causas das situações de desigualdade no município.  

Ponto Crítico – A Concha Associação dos Amigos e Moradores do Centro Histórico – que representa boa parte região central de Londrina e que, de acordo com a Pesquisa de Percepção da População sobre a cidade, sofre as consequências da movimentação dos moradores em situação de rua – tem registros dos transtornos que enfrenta no dia a dia. 

Foto: Acervo Concha Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico

A presidente da Concha, Iara Franco Hernnandes, revela ao O Londrinense que as pessoas que perambulam pelo centro ficam próximas dos estabelecimentos comerciais, deitados nas calçadas, atrapalhando quem quer entrar nas lojas e são “chantageadas emocionalmente”. “Uma boa parte dos comerciantes paga pedágio para que eles (moradores de rua) não fiquem no entorno do comércio e os que não pagam veem a clientela sumir. Quem enfrenta uns homens enormes, fortes e saudáveis pedindo dinheiro ou  seja lá o que for?’, diz Iara Hernnandes.

O relato da associação aponta ainda que crianças e idosos não podem sair à rua pois são abalroados, empurrados e roubados. “Tem muitos furtos de celulares, carteiras, bolsas e sacolas de supermercados. De fato, nos assustam muito os infiltrados, marginais com ou sem tornozeleiras, pois são mais ousados e nos amedrontam com seus portes físicos e as abordagens constantes”, diz a presidente da entidade. Porém, ela reconhece as condições degradantes a que as pessoas em situação de rua são submetidas, tendo que fazer as necessidades fisiológicas ou tomando banho desnudos em torneiras e no chafariz no centro da cidade.

Povo Solidário – Londrina tem fama de ser uma cidade “acolhedora e com comida farta”. A estimativa é de que, atualmente, pelo menos 6 mil pessoas estão vivendo nas ruas da segunda maior cidade do Paraná.  A presidente da Concha afirma que é frequente o movimento de veículos das prefeituras de cidades vizinhas despejando grupos de transeuntes ao lado da Concha Acústica.  

Foto: Acervo Concha Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico

A distribuição de marmitas e de roupas usadas por grupos e entidades ligadas às igrejas de todos os segmentos – católicas, evangélicas, espíritas, entre outras – é considerada como principal atrativo para a manutenção deste número de pessoas em situação de rua no entorno da Concha Acústica.

“No sábado pela manhã, às 10h00, vem um grupo de mulheres com saias longas e camiseta com a estampa da Madre Teresa de Calcutá; na quinta-feira tem o grupo evangélico que vem antes das 19h e, às sextas-feiras, é realizada a distribuição de roupa, café e pão, às 17h e marmita às 19h”, enumera a presidente da associação.  Um exemplo é o grupo evangélico Ide Bosque que compartilha as ações nas redes sociais, como no Facebook , em agosto de 2022 e mais recentemente em março deste ano.

Para o presidente da Missão Casa Verde,  Márcio Eduardo da Silva, que há 10 anos faz o acolhimento de pessoas em situação de rua no Município, os chamados “trecheiros” – na maioria homens entre 25 e 60 anos que vão de cidade em cidade e ficam por no máximo 30 dias, pedindo dinheiro nas ruas – acabam ficando por conta da solidariedade que encontram quando chegam em Londrina.  

“No Centro POP (o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua) do Município, todo dia chega uma pessoa nova e fica por aqui. A informação que corre boca a boca é de que Londrina é um bom lugar para ganhar dinheiro. Um morador de rua que passa o dia pedindo esmola, ganha em média de R$80,00 a R$100,00. Isso não ajuda, só atrapalha”.

Márcio Eduardo da Silva

Moeda de troca – O presidente da Missão Casa afirma que o ‘modus operandi’ de algumas pessoas que estão vivendo nas ruas é calculado para obter a compaixão da população.  “Eles simulam, fazem cara de fome, usam roupas sujas e rasgadas”, descreve. No entanto, segundo Márcio, uma boa parte dessas pessoas que recebe esmolas nos semáforos, também ganha o que comer dos melhores restaurantes da cidade, dorme em instituições de acolhimento, ganha roupas usadas das campanhas promovidas pelas igrejas. “Ele tem facilidades nas ruas e não quer voltar para casa”, aponta. 

A distribuição de marmitas por dezenas de grupos de forma desorganizada, sem data, horário e critérios, contribui para ampliar a quantidade de moradores de rua e ainda fomenta o tráfico de drogas, garante Márcio. Como exemplo, ele cita o que acontece na Concha Acústica, onde várias instituições fazem a doação de marmitas, com poucas horas de diferença. “O morador de rua pega uma para ele comer. Depois, pega mais três ou quatro que são usadas como moeda de troca por droga. O mesmo acontece com as roupas usadas em bom estado de conservação que são vendidas nos brechós para comprar crack”, explica.  

Na avaliação do presidente da Missão Casa Verde, se nada for feito para mudar este cenário, Londrina está próxima de ter a sua “Cracolândia”, o lugar onde se concentra a população em situação de rua na cidade de São Paulo. “Toda a sociedade tem responsabilidade neste processo porque trata como incapaz, acaba ajudando a pessoa a manter o vício. O Poder Público tem que fazer campanhas para unir forças com as igrejas. Não só na área de Assistência Social. Você e eu temos culpa de tratar essas pessoas com pena. Temos que ter amor responsável, parar e conversar, sem ter envolvimento com o sofrimento de cada um”, conclui.

Foto: Café com Cristo

Fé e persistência –  Na  Casa da Sopa Benedita Fernandes e Irmã Zenóbia, no jardim Fraternidade, o coordenador do Café com Cristo, Leonimer Flávio de Melo – o tio Léo -, 60 anos, conhece essa realidade de perto. Todas as quartas-feiras, um grupo de voluntários serve café, leite e pão às pessoas em situação de rua que chegam ali, entre 5h e 7h da manhã. Cerca de 100 pessoas frequentam o local onde também podem tomar um banho e ganham roupas limpas. Cada um, também pode levar uma ou mais sacolas com pão e café com leite ou chá pra comer depois e roupas usadas.

Saber que este alimento e roupas doadas podem se transformar em moeda de troca por droga, não diminui a importância e necessidade do trabalho, segundo ele. Para o coordenador da ação voluntária, há duas opções: fazer ou ficar em casa sem se mover para tentar tirar desta vida os poucos que são tocados pelo acolhimento e pela oração.  “Eles não vêm aqui para comer o pão da carne, mas para comer o pão da vida, o que dá esperança para vida. Porque a vida deles já não existe mais. Quem está nas drogas, principalmente, no crack como esses meninos estão, só enxerga o caixão na frente dele.  Aqui não, aqui eles têm a condição de enxergar uma nova perspectiva, um novo futuro”, afirma o engenheiro elétrico e professor da UEL que faz este trabalho há mais de dez anos.

Foto: Café com Cristo

Tio Léo lembra de uma mãe que sempre ia até a Casa da Sopa onde podia encontrar  o filho que havia saído de casa e estava “perdido” nas drogas. “Essa mãe fez isso durante pelo menos seis anos. Um dia, ela me ligou agradecendo porque o filho, finalmente, voltou pra casa e estava livre das drogas. É assim, eles veem um dia, voltam e de repente percebem que é possível seguir outro caminho. Estamos aqui por isso. Não importa quantos e nem quanto tempo vai demorar”, resume o coordenador do Café com Cristo. 

O LONDRINENSE procurou a Secretaria Municipal de Assistência Social, através da Assessoria de Imprensa da Prefeitura, mas não obteve retorno para os questionamentos encaminhados, apesar de ter esperado pelo retorno por 72 horas.

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Uma resposta

  1. Suzi, parabéns pela pelo excelente artigo. O grupo que oferece o café da manhã é um excelente exemplo de como tratar o ser humano com higiene dignidade comida. Achei excelente a colocação de todos aqueles que deram sua opinião. O que vale a pena é saber que independente do Serviço Social de fato existe grupo, entidades que tratam as pessoas em situação de rua como ser humano, o que pode produzir mudanças. Não fazem assistencialismo, como vemos acontecer com distribuição de alimentos e roupas a céu aberto. A questão de “cracolândia” aqui no centro, entendemos, enquanto moradores que já está formada. É livre o comércio de drogas. Observamos as pessoas comprando, vendendo, comum o escambo, e, sem o menor constrangimento fazendo uso do que foi adquirido. Sinto muito que nosso Serviço Social não tenha o mesmo enfoque daqueles que aqui se expuseram.
    O assistencialismo tem que ser coibido. É necessário que o ser humano ande boas distância para receber o alimento, é saudável. Irá buscar local adequado para comer se de fato está com fome.

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