Por Ana Paula Barcellos
Ainda hoje paira sobre os cemitérios uma aura de morbidez, de tristeza. Os cemitérios são aqueles lugares a serem evitados, nos quais a gente só aparece quando não tem escolha. Claro, sinônimo de morte, do fim da existência, fenômeno sobre o qual muitos de nós sequer gosta de pensar, que dirá encarar.
Na cultura da minha família, as coisas sempre foram diferentes. Também com a morte e suas questões. Meu pai e minha mãe nunca tiveram problemas com idas ao cemitério e a velórios, e sempre levaram a gente junto, desde pequena. Sempre entenderam que a morte é parte fundamental da vida; e, também, como religiosos, que é apenas uma passagem e o túmulo uma caixa que guarda restos mortais porque a alma, essa é imortal.
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Passear na morada no futuro
Coisa mais comum num domingo de sol era a gente, junto com meu pai, ir passear no cemitério São Pedro . Isso mesmo, passear. Muitas das vezes era a gente que pedia! Lá, meu pai mostrava os túmulos dos nossos familiares, dos antepassados, contava a historia de cada pessoa por trás da foto no jazigo, o papo ia longe. Era mais um momento de estar em família, aprendendo mais sobre nossa família e fortalecendo laços.
Mais velha, estudante de História na UEL, entendi que o cemitério é uma das melhores formas de conhecer uma cidade. Virou rotina e cada nova cidade visitada tem duas paradas obrigatórias: catedral e cemitério. E no cemitério a gente vê um espelho, de certa forma, da vida na cidade dos vivos. Os jazigos das famílias tradicionais enormes, com estátuas e capelinhas, super bem cuidados; os classe média mais sóbrios, em granito, com espaço para velas e flores, também melhor cuidados. E tem também os bem simples, em concreto batido ou azulejo barato, sem assistência, sem ver flores há muito tempo.
Espelho da cidade dos vivos
Nosso jazigo é coberto com um granito bonito mas que foi estraçalhado, teve tudo roubado. Hoje, tem apenas uma tampa provisória que eu e meus irmãos estamos nos preparando para arrumar e deixar ok, pela terceira vez. E a Acesf? Nenhuma assistência, nadinha. Segue cobrando a taxa de manutenção que na prática é ilusória e inexistente, o local é sujo e mal cuidado, com segurança zero. Não disse que o cemitério é mesmo um espelho de como se vive na cidade dos vivos?
Quando fui morar em frente ao cemitério São Pedro (fiquei lá por quase 6 anos), gostava de olhar pela janela e ver o topo dos túmulos coloridos . Pra mim, cemitério é sinônimo de paz, reflexão, quietude. Minha tia dizia que é como olhar para a nossa morada do futuro! E é, mas isso não me aflige de maneira alguma. A única pena é não ter mais meu pai para passear comigo por lá…
Uma curiosidade: visto do alto, o Cemitério São Pedro forma o desenho de um coração. Faz sentido, também tem vida que pulsa na morada do futuro.
Ana Paula Barcellos
É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal. Siga os Instagram @experienciasdecabide e yopaulab
Fotos Cemitério São Pedro: site da Prefeitura de Londrina
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