Por Ana Paula Barcellos
Nas árvores das ruas por onde passo, não há uma única folha marrom. Tampouco há árvores secas nesse inverno londrinense seco e estranho. As plantas e flores seguem vistosas como se estivéssemos em plena primavera! Minha contemplação dura pouco tempo. Estou em uma corrida por aplicativo e aproveito para ouvir OLondrinense POD. Na última edição, a ativista social Poliana Santos fala sobre o projeto de lei que visa proibir distribuição de alimento para pessoas em situação de rua.
O debate, trazido por nossas editoras juntamente com Poliana, é importante e urgente. Incômodo é que se tenha que falar tanto sobre o óbvio e em uma cidade com tanta gente religiosa, que deveria se mostrar mais humanizada.
O projeto de lei que pretende proibir alimentar pessoas em situação de rua – e que é literalmente um copia e cola do projeto apresentado recentemente em São Paulo -, faz uso e abuso da maquina pública utilizando como artifício um equívoco social. Porque, embora a vereadora responsável pela apresentação desse projeto na Câmara Municipal de Londrina (CML) o tenha colocado de forma a fazer parecer a iniciativa louvável à primeira vista, e só analisar os principais pontos da proposta para perceber que ela não se sustenta.

A proibição de alimentar pessoas em situação de rua é, antes de tudo, uma negação de nossa humanidade compartilhada. Esses indivíduos já enfrentam dificuldades extremas, como a falta de moradia, acesso limitado a serviços básicos e estigmatização social. Impedir que recebam comida voluntariamente é uma afronta à dignidade humana e à empatia que deveríamos demonstrar uns aos outros.
Nesse sentido, as ONGs e voluntários desempenham um papel crucial no apoio aos mais vulneráveis porque conseguem chegar onde a mão do poder público ainda não alcança. Isso tudo feito com recursos proprios ou doações. Sendo assim, exigir que eles cumpram uma série de requisitos burocráticos, como autorizações da prefeitura e cadastros detalhados, pode afastar esses agentes de boa vontade. Afinal, o foco deveria ser ajudar, não preencher formulários correndo o risco de cometer erros e ainda pagar por isso.
Em vez de punir quem oferece ajuda, deveríamos investir em soluções mais eficazes. Programas governamentais e parcerias com organizações podem garantir alimentação regular e segura para moradores de rua. Além disso, a fiscalização da qualidade dos alimentos pode ser feita sem criminalizar a solidariedade.

O desejo de aprovação desse projeto de lei, por sua vez, reflete uma visão simplista e punitiva da assistência social. Precisamos considerar as complexidades da vida nas ruas e abordar o problema com sensibilidade, não com multas exorbitantes. Querer proibir a doação de alimentos a pessoas em situação de rua é um equívoco que não aborda as raízes do problema. Carecemos de políticas mais humanas e eficazes para lidar com a vulnerabilidade social, sem criminalizar a compaixão. Afinal, todos merecem dignidade e solidariedade, independentemente de sua condição de vida.
A própria Poliana Santos é fundadora e coordenadora do Projeto Rango, um projeto que, semanalmente, distribui lanches para pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social, e o faz em parceria com o Centro Juvenil Vocacional da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, localizado no Jardim Shangri-la. O lanche também alimenta os alunos do cursinho voluntário mantido pelo Centro. O preparo dos alimentos acontece lá mesmo, todas as quintas-feiras, a partir das 19h, e conta com as mãos da própria Poliana e voluntários.
O projeto é aberto para visitantes e interessados que queiram saber mais sobre essa iniciativa. Aliás, mãos prontas para ajudar e doações são muito bem-vindas. Mais informações através do (43) 99646-3226.
Foto principal: Freepik

Ana Paula Barcellos
É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal.
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