Por Ana Paula Barcellos
Pra mim, os melhores lugares de Londrina têm mesa e cadeira na calçada. Se bem que com a cidade cada vez mais quente, o melhor mesmo é que os estabelecimentos tenham um ar condicionado potente ou mesa e cadeira na calçada.
Pra mim, mesa e caldeira na calçada são mais que instrumentos pra aliviar o calor, são símbolos da vida que pulsa. Quando era criança, nos idos dos 1980 e começo dos 1990, a gente era muito instigada pelos adultos a ocupar os espaços de fora, a rua mesmo. Criança trancada dentro de casa era algo fora de cogitação. E ao primeiro sinal de tédio infantil, um dos nossos pais ou os pais das crianças vizinhas já lançava: vão fazer um piquenique na praça!
Piquenique na praça, cadeira do lado de fora pra dar chá pras bonecas, montar forte na marquise dos estabelecimentos fechados, fazer casa da Barbie naquele cantinho do medidor… Isso que fui criança de prédio, hein? Mas o prédio era onde a gente menos ficava – embora tivesse um pátio que a gente ocupava bastante também, principalmente à noite, depois de voltar da escola.
Agora adulta, continuo buscando outros cantos para ocupar pela cidade. Adoro parar no Pierot’s da Belo Horizonte depois de um dia cheio, os braços marcados pelas bolsas e sacolas, a bateria do celular arriando; pedir apenas uma garrafa de cerveja de 600ml, só pra mim. Ficar observando o movimento, comer um bolinho de carne, trocar uma ideia com o Baiano, com a moça do caixa, com quem mais chegar. Tem dia que lota tanto que tem que ir pras mesinhas que “invadem” o espaço do Bar Globo, da Midori (outro cantinho delicioso pra parar).
Tem quinta ou sexta-feira à noite mais parados que a melhor pedida é ficar em pé mesmo, na calçada, em frente ao Bar.Bearia, encontrando os conhecidos das antigas. O copo não para vazio e tem sempre alguma novidade interessante de alguém que você não via faz tempo. Fulana foi morar em outro país, beltrano casou e teve filho, aquele outro lá tá trabalhando com estética automotiva? Tem o contato? Sei de alguém que tá procurando…
Mesa e cadeira cheia de cultura
Nos últimos meses, caí de amores pelas mesinhas na calçada da Olga – A livraria da Cidade. Me lembro que fui pega por esse slogan: a livraria da cidade. Parei lá por acaso numa tarde quente, cheia de cansaço e uma cabeça mergulhada em dúvidas. Eu precisava de um respiro, estava no Uber e avistei a livraria, pedi pra encerrar a corrida. Mesinha na calçada, vento batendo, cappuccino gelado, o movimento da Pio XII, que delícia! E saí de lá com 5 livros novos! A cabeça já era outra… Ainda descobri uma loja de chapéus e boinas ali pra baixo, mais um tempinho de bate papo com o dono, foi o fim de tarde de respiro perfeito.
Na Olga, eles fazem mais que apenas colocar as cadeiras e mesas nas calçadas: eles colocam música pra movimentar o lugar e a passagem. Em alguns sábados do mês, lá tem apresentação de jazz ao vivo. E fica o povo todo na calçada, taça ou copo na mão, celebrando a vida e a cidade que pulsa, ali.
Tem gente que se incomoda (com mesinha na calçada e com esse movimento – principalmente dos bares. Dizem ser em nome da moral, dos bons costumes, da sujeira, da lei do silêncio, do combate ao aumento da criminalidade (oi?), mas eu tenho pra mim que a verdadeira razão é outra.
É gente com bode da vida que pulsa. A mesma gente que reclama que antigamente era melhor, todos os vizinhos se conheciam, batiam bapo na calçada da frente de casa, que botava cadeira pra fora do portão, reclama das mesinhas e das cadeiras. Reclamam que atrapalha a passagem, reclamam, reclamam.
Londrina, que já foi vanguarda e efervescente, tá envelhecendo muito mal: virou um velho rabugento marrento, amargoso, que não pode ver uma folha na calçada, uma gente suspirando e rindo feliz, que faz tudo pra estragar a brincadeira. Lembra do Carnaval que morreu?
Mas eu, que cresci fazendo casinha de Barbie na rua e piquenique na praça, vou continuar ocupando as calçadas com mesas e cadeiras. E vou levar uma galera comigo. Serão muitas!
Ana Paula Barcellos
É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal. Siga os Instagram @experienciasdecabide e yopaulab
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