Por Ana Paula Barcellos
Eu escrevia sobre a revitalização do Calçadão quando recebi as atualizações sobre os protestos que aconteceram nesta segunda (17), em Londrina. Obviamente, deixei o texto de lado: como discutir estética urbana quando a cidade pega fogo? O incêndio não é metafórico. Até porque queima as famílias que choram dois rapazes mortos pela polícia na madrugada do último sábado (15). Dois jovens, do Jardim Santiago, cujas vidas foram interrompidas por tiros que ainda não foram explicados. Enquanto isso, a cidade insiste em olhar para os bens materiais, para o concreto, ignorando o sangue que escorre entre as frestas do asfalto.
Foram mortos
Dois jovens, 16 e 20 anos, trabalhavam, estudavam, e foram alvejados apararentemente sem razão. A polícia alega que estavam em um carro semelhante ao de assaltantes. A comunidade grita: eram inocentes, foram mortos! Há imagens dos rapazes, Wender Natan da Costa Bento e Kelvin Willian Vieira dos Santos, circulando livremente, sem armas, momentos antes do alegado confronto.
A família exige respostas. A sociedade também. O Brasil é campeão em mortes por intervenção policial, e os números não mentem: os mortos têm sempre a mesma cor. Não há coincidências em um país onde a pobreza é racializada e a violência de Estado se veste de “guerra às drogas” e ao “crime”. Mas qual crime? Enquanto a polícia não usa câmeras nas fardas — tecnologia básica em nações que respeitam direitos humanos —, histórias como a desses rapazes se repetirão. Sem transparência, a versão dos agentes vira dogma, e a dos pobres, “versão de bandido”.

A revolta da Bratac não é isolada. Protestos tomaram as ruas, mas alguns aproveitam o caos, e aí está a armadilha: a criminalização dos movimentos legitima mais repressão. É um ciclo perverso. Quem grita por justiça é silenciado pelo rótulo de “badernista”; quem questiona a polícia é acusado de “defensor de bandido”. Mas o que essa comunidade pede é simples: investigação. Prova. Direito de enterrar seus mortos com dignidade. E se fosse seu filho?
Enquanto houver mães carregando fotos de filhos mortos sem explicação, enquanto a cor da pele for sentença de morte, Londrina não será renovada — será apenas uma cidade que aprendeu a conviver com o cheiro de fumaça.
O silêncio sobre Wender é Kelvin é um recado: alguns corpos valem menos. Cabe à sociedade romper esse pacto mudo. Exijamos câmeras nos uniformes, transparência nas investigações, e respostas. Até lá, o Calçadão pode esperar. A vida não.

Ana Paula Barcellos
É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal. Siga os Instagram @experienciasdecabide e yopaulab
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Uma resposta
Excelente texto.
Espero que o Ministério Público, através do GAECO, traga luz para essa abordagem violenta perpetrada pela polícia militar.
O Estado do Paraná resiste em adotar câmeras corporais nos policiais.
Se já estivessem utilizando, os fatos teriam sido esclarecidos.
Agora, resta aguardar as investigações.