Por Ana Paula Barcellos
Em meio à poeira dos discursos políticos, gestos simbólicos costumam brilhar como ouro falso. A nomeação de um secretário de Cultura em Londrina, por exemplo, poderia ser celebrada como um sopro de esperança, não fosse o ruído ensurdecedor do desmonte paralelo das Secretarias da Mulher e do Idoso. A contradição é cruel: celebra-se a cultura em um palco, enquanto nos bastidores desmontam-se as estruturas que protegem vidas.
Não se trata de negar a importância da cultura — ela é mesmo a alma de uma cidade. Mas de que adianta um teatro reformado e bem iluminado se, nas sombras, mulheres são silenciadas pela violência e idosos são abandonados à própria sorte? O prefeito parece ignorar que políticas públicas não são peças de um jogo de xadrez, onde se sacrificam alguns para ganhar outros. São alicerces de dignidade. Desmantelar secretarias dedicadas a grupos vulneráveis não é apenas uma escolha administrativa; é uma declaração de desprezo por quem já vive à margem do cuidado.

A violência contra a mulher não é um fenômeno abstrato. Em Londrina, assim como no resto do país, ela se materializa em olhos roxos, em vozes trêmulas, em feminicídios cada vez mais frequentes, em crianças aprendendo cedo demais o significado do medo. A Secretaria da Mulher não era um departamento burocrático: era uma trincheira. Sua extinção sinaliza que o Estado prefere fechar os ouvidos aos gemidos que ecoam dentro das próprias casas. Enquanto isso, idosos — muitos dos quais construíram essa cidade com suas mãos — veem-se privados de políticas que garantam sua dignidade.
Desumanidade
É tentador pensar que essas questões não nos dizem respeito. Afinal, quantos de nós já paramos para imaginar que um dia seremos velhos, dependentes de uma sociedade que hoje nos trata como produtivos? Quantos se lembram de que cada mulher agredida poderia ser nossa mãe, irmã, filha? A verdade é que desproteger idosos e mulheres é arrancar tijolos do próprio edifício que nos sustenta. Um dia, seremos todos frágeis. Um dia, alguém que amamos poderá precisar de um abrigo.

A nomeação de um secretário de Cultura, sozinha, não apaga o fato de que Londrina está escolhendo quais vidas importam. Cultura não se resume a eventos e exposições; ela também está na forma como uma cidade trata seus cidadãos. Vivemos em uma sociedade que abandona mulheres e pessoas idosas, é isso mesmo?
Cabe a nós recusar a passividade e questionar: por que não há espaço no orçamento para o combate à violência doméstica, mas há para obras que rendem fotos em inaugurações? Por que idosos viram números em estatísticas, e não prioridade? É preciso lembrar aos governantes que a cidade precisa mais que gestos vazios.
Cuidar das mulheres e idosos de hoje não é apenas uma obrigação ética… Afinal, um dia também seremos as velhas e os velhos esquecidos. Alguém vai falar por nós?
Foto principal: Freepik

Ana Paula Barcellos
É graduada em História pela UEL, Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural. Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal. Siga os Instagram @experienciasdecabide e yopaulab
(*) O conteúdo das colunas não reflete, necessariamente a opinião do jornal