Livro “Dependências Comportamentais: vivendo em excessos” será lançado nesta sexta (16)

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Por Alessandra Diehl

Há muitos anos, pesquisadores e profissionais da saúde vêm observando o fenômeno das chamadas dependências comportamentais. Elas têm recebido atenção crescente na literatura científica nas últimas décadas, chegando a ser qualificadas, por alguns autores, como a “praga de nossa era”. Isaac Marks, na década de 90, introduziu o termo “dependência comportamental (não química)”, através da descrição de desejos repetidos de se envolver em comportamentos contraproducentes e a proposta de que fossem aproximados do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

Com o decorrer do tempo, as evidências foram mostrando semelhanças na fenomenologia e na biologia destas condições com os transtornos por uso de substâncias (TUS). Por exemplo, muitas pessoas com transtorno por jogo (TJ) relatam desejo ou estado de fissura antes de jogar, assim como os indivíduos com dependência de substâncias; o jogo muitas vezes diminui a ansiedade e resulta em um estado de humor positivo ou “alto” (high) semelhante à intoxicação por substâncias; e a desregulação emocional muitas vezes contribui para a fissura por jogos de azar, da mesma forma que ocorre com a fissura por álcool ou outras drogas.

No entanto, a introdução deste conceito é relativamente nova na psiquiatria, uma vez que foi somente depois de 2010 que o termo “dependências comportamentais” foi adicionado à classificação oficial de transtornos psiquiátricos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, Quinta Edição. Nessa edição do manual americano houve um reposicionamento também do transtorno por jogo na secção de transtornos por uso de substâncias e foi introduzido o transtorno por jogo na Internet no apêndice de pesquisa. Cabe ressaltar que a Classificação Internacional de Doenças (CID-11) também a considera.

Esses esforços de classificação e inclusão têm sido informados também por dados neurocientíficos. Existe um desafio atual em traduzir uma compreensão neurocientífica desses transtornos em tratamentos mais eficazes. Comportamentos que podem estar atrelados a um envolvimento excessivo ou problemático incluem jogos de azar, uso da Internet e jogos, comida, compras, amor, sexo, trabalho e exercícios, por exemplo. Até mesmo dependências por bronzeamento “in door” e dependência de redes sociais vêm sendo cogitadas como formas de dependência comportamental.

Curioso que a dependência em bronzeamento também pode estar associada ao uso problemático de várias substâncias, daí a importância de abordar a dependência de bronzeamento e outras formas de dependências no contexto de comorbidades comportamentais e da cultura em que vivemos para reduzir esse comportamento de alto risco, principalmente entre jovens.

Existem também argumentamos que os comportamentos aditivos se desenvolvem como consequência das interações entre variáveis predisponentes, respostas afetivas e cognitivas a estímulos específicos e de funções executivas, tais como o controle inibitório e a tomada de decisão. No processo de denvolvimento de comportamentos aditivos, as associações entre reatividade e fissura e diminuição do controle inibitório contribuem para o desenvolvimento de comportamentos habituais. Um desequilíbrio entre as estruturas dos circuitos frontoestriatais, particularmente entre o estriado ventral, a amígdala e as áreas pré-frontais dorsolaterais, pode ser particularmente relevante nos estágios iniciais e o estriado dorsal nos estágios posteriores dos processos aditivos (Brand et al., 2019).

Reconhecer uma constelação de sintomas como um transtorno mental permite que a condição seja diagnosticada e classificada de forma consistente. Ademais, um diagnóstico possibilita também o aprimoramento do estudo da etiologia, desenvolvimento de medidas preventivas e de tratamento, reduzindo a morbimortalidade. Por outro lado, a “proliferação” de novas categorias de transtornos mentais justifica questionamentos sobre sua validade externa, pois pode minimizar experiências de indivíduos que possuem deficiências em graus variáveis e que não necessariamente poderiam ser compreendidas como transtornos mentais (Petry et al., 2018).

Os principais debates neste campo então entre as fronteiras da filosofia e da psiquiatria, incluindo a melhor forma de definir os transtornos mentais, validá-los e otimizar sua metaestrutura. No meio deste debate estão construtos “essencialmente contestados” que requerem consideração, avaliação e julgamento contínuos. Assim como, a complexidade da psicopatologia dos mesmos sugerem múltiplas abordagens igualmente legítimas para explicar seus mecanismos. Ao otimizarmos a metaestrutura, as considerações não psicobiológicas são também cruciais e fundamentais para o entedimento de abordagens dentro de uma perspectiva de saúde mental pública (Stein; Lochner, 2022).

À medida que a sociedade evolui, a expressão de alguns transtornos mentais também parece ter mudado. Um exemplo é o da relação da humanidade com as tecnologias de comunicação. Seria válido afirmar que a tecnologia está criando novos transtornos ou dependências? Somos todos dependentes de nossos smartphones? Será que um comportamento que ocorre fora do domínio do chamado “normal ou esperado”, ou ainda, mesmo no limite superior do “normal”, pode ser considerado de fato uma doença ou transtorno? Os padrões de comportamento excessivo são simplesmente “comportamentos inadequados” ou são reflexos de anormalidades neurobiológicas subjacentes dos chamados “cérebros sequestrados”? Todas estas questões são importantes quando se considera um novo transtorno mental, e talvez sejam particularmente pertinentes no contexto das dependências comportamentais.

Aumento de casos de dependências comportamentais

Enquanto as pesquisas avançam, a prática clínica de nossos consultórios e o cotidiano dos serviços de saúde já estão se deparando com essa nova realidade que não para de nos desafiar. Durante a pandemia da COVID-19, por exemplo, observamos aumento de algumas expressões destes comportamentos.

Entre fevereiro e março de 2020, o Pornhub, uma das maiores plataformas de pornografia, identificou um aumento significativo de sua utilização, variando de 4% a 24%, dependendo dos países avaliados. Embora já tivesse apresentado um aumento progressivo nos últimos anos, durante a primeira fase do lockdown da COVID -19, o uso desse site aumentou significativamente, provavelmente como forma de escapar de situações estressantes, devido a restrições necessárias para a saúde e controle da pandemia. Paralelamente, outros comportamentos anómalos semelhantes, como o comprar compulsivo ou o comer em excesso, também têm demonstrado associação com ansiedade e sentimentos de desamparo no contexto da pandemia atrelados a dificuldades interpessoais em lidar com o stress.

Os profissionais de saúde ainda se sentem imensamente inseguros para lidar com uma série de dependências comportamentais por desconhecer sintomas, comorbidades e possibilidades de abordagens terapêuticas. Da mesma forma, educadores e pais também se preocupam, pois gostariam de se antecipar aos possíveis problemas e trabalhar em prol da prevenção de diversos destes fenômenos contemporâneos que se traduzem em comportamentos dissonantes.

Os adolescentes parecem ser particularmente vulneráveis ao desenvolvimento de transtornos associados ao sistema de recompensa. O uso excessivo de videogames e da internet, por exemplo, é altamente prevalente na juventude e no início da idade adulta, o que reforça a necessidade de prevenção e intervenção precoce.

Foi dentro de todos estes contextos que nasceu a obra “Dependências Comportamentais: vivendo em excessos”. A partir de um encontro presencial da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) no Rio de Janeiro, em 2022, associados e convidados discutiram estes assuntos. Detalharam-se métodos de avaliação e taxas de prevalência para uma série de condições que podem ser consideradas dependências comportamentais. Foram examinados dependência de sexo, internet, games, compras, jogos de azar, comida, amor, juntamente com comorbidades psiquiátricas, fatores de risco demográficos e biológicos e potenciais abordagens para prevenção e tratamento.

A proposta resultante foi organizar uma obra profissional com 17 capítulos, com a finalidade de contribuir para o universo editorial neste campo do saber. Assim, a obra “Dependências Comportamentais: vivendo em excessos” apresenta enfoques teóricos, enriquecida pelo exame de aspectos ligados à prática clínica, através de uma linguagem científica amistosa que permite uma leitura fluida, de forma a ser palatável para qualquer público da área da saúde e educação.

Eu tenho certeza de que vocês irão gostar muito!

Serviço:

Livro disponível pelo site da Editora Artesã: Dependências Comportamentais: Vivendo em Excessos – Artesã (artesaeditora.com.br)

A sessão de autógrafos ocorre nesta sexta-feira (16), às 18 horas, no Shopping Iguatemi, em Campinas.

Imagem: Freepink

Alessandra Diehl

Evidências científicas mostram que as dependências comportamentais provocam a mesma fissura que a dependência por substâncias. O livro "Dependências Comportamentais: vivendo em excessos vem contribuir para a discussão sobre esses novos vícios

Psiquiatra, membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Drogas (ABEAD) e membro da Associação Paranaense de Psiquiatria (APPsiq). @dra.alessandradiehl

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Foto principal: Imagem gerada por IA/Freepil

(*) O conteúdo das colunas não reflete, necessariamente, a opinião do O LONDRINENSE.

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