Diário de uma paralisada facial – parte II – Quando cai a ficha que sua cara está torta. De novo

paralisia2

Quero registrar aqui, nessa coluna, como vai ser minha luta contra a paralisia de Bell. Talvez isso possa ajudar alguém também

Telma Elorza

Equipe O LONDRINENSE

Bom, uma semana depois do novo episódio da paralisia de Bell na minha linda carinha (se não sabe como aconteceu, veja a parte I desse diário), posso dizer que foi agora que a ficha caiu. Veja bem, estou bem de saúde. Não sinto dor, não tenho febre, meu cérebro funciona perfeitamente, obrigada por perguntarem. Sim, foram muitas manifestações de carinho e preocupação. Resumindo, só estou com a cara torta.

Porém, a partir desse fato, todo um novo contexto se abriu, por alguns motivos. O primeiro deles é saber que a paralisia facial de Bell é mais comum do que se pensa. Dezenas de pessoas vieram me falar que também tem ou tiveram ou conhecem alguém próximo que está enfrentando a mesma coisa. Um amigo disse que o sobrinho tem todo ano, já alguns anos, na época do inverno: o choque térmico de sair da casa quente e ir para rua, estudar e trabalhar, é suficiente para um novo episódio. Como é novo, recupera-se rápido. Ah, sim quanto mais velha a pessoa, mais difícil a recuperação da paralisia. Oh, sortuda que sou.

O segundo motivo é que você começa a pensar em coisas que a gente geralmente não pensa por ter significados menores na vida de quem tem um problema sério de saúde (não vou minimizar e dizer que a paralisa de Bell não é séria. É. Em alguns casos, como no caso da provocada pela herpes zoster, a dor é insuportável segundo uma amiga que teve). Coisas simples, do dia a dia, que você nem pensa no seu cotidiano normal, se tornam barreiras para o paralisado facial. Então, leia e se puder ajudar a alguém na mesma situação que a minha, ajude.

Feiura e não há como disfarçar

A questão é que você fica feia. Não tem outro jeito de dizer. Não se consegue dizer nem que está simpática. Você está com metade da cara parecendo enrugada (a metade NORMAL) e a outra totalmente lisa, sem rugas nem nada. Um lado mais baixo que o outro. Sua cara, seu cartão de visita, a primeira coisa que olham em você é um / (travessão)! E não tem como disfarçar isso. Se a autoestima for frágil, pode ser um baque difícil de superar. Nessas horas, o que é preciso focar é que vai passar. Com fé, suor e esforço, você vai superar isso. A feiura é temporária. A menos que tenha nascido com ela. Aí, fi,….

Angelina Jolie teve paralisia facial em 2016. Só ela para ficar bonita feia. (Foto divulgação)

Essa feiura temporária traz alguns problemas. Você, se sentindo feia, começa a fugir de eventos sociais. Como ir numa festa se não pode passar uma maquiagenzinha básica para disfarçar as olheiras? Batom vermelho? Nem pensar. No máximo, uma manteiga de cacau para hidratar os lábios que vão, sim, ressecar. Vai chique numa festa sem um pingo de maquiagem na cara? Nãnãnã….pera. Eu fugi de dois eventos essa semana, um deles a trabalho, outro a prazer. Porque fiquei sem graça de ir num evento torta e sem maquiagem. Olha que besteira.

Se você tem câncer e perde os cabelos na quimio e radioterapia, não tem porque se esconder. Está lutando com uma doença. Qual a vergonha de estar torta? É a mesma coisa, estou lutando contra uma doença. Aí fui numa coletiva com café da manhã. E vi que não preciso me esconder. Não é vergonha. Já aceitei outros dois convites para eventos profissionais. Um deles bem chique. Vamos ver como me saio.

Os eventos, aliás, são desafios porque envolvem comer e beber. E, sejamos francos, com metade da boca paralisada (e metade da língua também), é preciso fazer uns malabarismos para se alimentar. Às vezes, nós, paralisados faciais, babamos, deixamos cair coisas. Se você ver algo assim em um amigo ou amiga paralisada, por favor, ignore e não faça cara de nojo. Isso não ajuda. E não há como evitar, principalmente no começo quando ainda é preciso reaprender a comer em uma nova situação, onde só metade das coisas funcionam. Por experiência, posso dizer que canudinho ajuda a beber. Ofereça um a seu(sua) amigo (a). Tô tomando até café no canudinho.

Preocupação com os olhos

Outro fator que é preciso aprender a lidar é com o olho e o mau funcionamento das pálpebras. Seu olho precisa ser preservado a qualquer custo. Isso significa usar colírio (receitado pelo médico) a cada duas horas e tampão algumas vezes pelo dia e à noite toda, para dormir. Sinceramente, esse é o meu maior problema. Desde o primeiro episódio com a paralisia facial, há oito anos, eu luto para encontrar um tampão confortável. Veja bem, é preciso fazer o olho ficar fechado, para não perder lubrificação e causar ulcerações. Não basta proteger.

Já tentei tudo que se possa imaginar: fechar o olho com gaze, algodão, tipo band-aid, tampão para estrabismo. Nada dá certo. Ou incomoda demais ou não fecha o olho adequadamente. Queria um tampão em forma de band-aid de silicone para testar mas ainda não achei por aqui. Se alguém souber onde tem, me avise. Na gambiarra, a solução mais confortável que eu achei foi colocar micropore diretamente sobre o olho. Sim, sem nada. Só o micropore.

Passo o colírio, a pomada receitada pela médica e coloco duas ou três tiras de micropore sobre o olho. Estou depilando os cílios aos poucos. As vantagens são 1) o olho fica úmido e 2) você pode abrir o curativo várias vezes para ajeitar o olho, que ele vai ficar ali. A desvantagem é que o micropore irrita um pouco a pele sensível das pálpebras. Elas podem ficar vermelhas. Mas, dos males o menor, prefiro as pálpebras irritadas que olho ulcerado.

Outro problema é dirigir. Não dá. Seu olho paralisado pode ficar embaçado de repente e você perder a profundidade e acuidade visual necessária para dirigir bem. Evite. Aliás, isso me traz uma complicação seríssima: minha carteira de motorista vence dia 31 de julho. Se eu tiver com a cara muito torta, ainda, nunquinha que vou renovar. Se o Detran não consegue fazer uma foto decente com a cara normal, imagina paralisada? Quasimodo, é você na carteira? Ficar cinco ou 10 anos, como quer o presidente, com aquele horror de foto? Nem morta.

No próximo capítulo, falaremos sobre a busca por tratamentos. Aguarde.

Foto: Visual Hunt

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anuncie no O Londrinēnse

Mais lidos da semana

Anuncie no O Londrinēnse

plugins premium WordPress