Por Viviane Alexandrino
É preciso trazer à tona a temática do ser mulher negra no Brasil, pois é urgente a reflexão a respeito dos caminhos percalçados que foram traçados e para onde iremos, mas, principalmente, oferecer um espaço de cura e aconchego para todas as mulheres negras, uma vez que as lutas se tornaram questão de sobrevivência, mas também há momentos de pausa para a acolhida e a escuta.
Antes de tudo, quero pedir licença e autorização para todos os meus ancestrais que lutaram, para que um dia a Viviane estivesse aqui e buscasse espaço para fazer sua voz ser ouvida. Fortaleçam-me e emanem discernimento, potências múltiplas, resistência e força para cuidar, contribuir para a sustentação de nossas pautas e aumentar nosso quilombo.
Vamos lá, então. Fui convidada pelo pessoal do jornal O Londrinense para falar sobre o que é ser MULHER NEGRA NO BRASIL. Vou escrever assim, em letras maiúsculas mesmo, uma vez que tem sido necessário levantar nossa voz, a fim de que nossos enfrentamos sejam percebidos e, também, ouvidos.
Vou começar com um apontamento que pode causar polêmica: Há, sim, desigualdades gritantes entre mulheres negras e brancas. Não, as mulheres não são todas iguais. Os problemas sociais enfrentados pelas mulheres negras são potencializados em seu dia a dia, em razão de sua cor de pele, classe social, local de moradia, empregabilidade, entre outros. Leitores, é preciso conhecer a realidade para poder alterá-la, e é isso que vamos abordar por aqui, semanalmente. Você já parou para pensar, antes de falar que isso é mimimi, vitimismo ou modismo, que mulheres negras, até hoje, vivem situações decorrentes da maldita herança escravagista? Dói na alma pensar que as mulheres negras vivem, em sua maioria, à margem da sociedade e têm suas lutas espezinhadas por uma sociedade que força nossa invisibilidade, finge não conhecer nossa realidade e se revolta quando nosso clamor é urrado.
Somos as que mais são assassinadas no Brasil. Segundo informações do Atlas da Violência, de 2018, 68% das mulheres mortas no país eram negras. Enquanto entre as mulheres não negras a taxa de mortalidade por homicídios foi de 2,8 por 100 mil, entre as negras a taxa chegou a 5,2 por 100 mil, praticamente o dobro. Durante a pandemia da Covid-19, fomos as que mais sofreram com óbitos.
O último boletim do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), publicado em março de 2020 intitulado como Boletim de Análise Político- Institucional, mostrou a taxa de mortalidade entre mulheres negras foi de 140 óbitos a cada 100 mil habitantes, com uma sobremortalidade de 3,2%. E a desigualdade social é gritante quando falamos em salário: somos as que ganham menos, também.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afirmou em 2020 que as mulheres brancas ganham 70% a mais que as negras. Enquanto a média salarial das brancas é de R$ 2.379 a das negras é de R$ 1.394. E não para por aí. Nossos acessos a serviços básicos são alarmantes. Enquanto 9,4% das brancas não têm acesso ao abastecimento de água, esse percentual é de 13,9% entre negras. No quesito coleta de lixo, a diferença entre brancas e negras é de, respectivamente, 3,7% e 8,8%. As estatísticas não são favoráveis, esses dados revelam uma construção histórica macabra e que persiste em nossos dias.
Nosso acesso a cargos gerenciais é baixo, as condições de moradia são ínfimas, a violência nos atinge com maior frequência, a taxa de analfabetismo entre nosso povo é maior. E por mais que nossos anos de estudos aumentem, isso ainda não se refletiu em nossos rendimentos. Outro dado desesperador é que 46,27% das mulheres negras nunca passaram por um exame clínico de mama – contra 28,73% de mulheres brancas que também nunca passaram pelo exame. Logo, é preciso falar, mostrar, revelar, reivindicar, cobrar, exigir, refletir sobre a situação da mulher negra no Brasil. Para ontem!
E quem é a mulher negra Viviane?
A partir do aceite para contribuir para a coluna, nesta semana, passei os dias pensando sobre o tema que iria escrever em minha estreia. Dei voltas, consultei meus livros, busquei inspiração na literatura e nada. Mas foi em uma palestra on-line que a inspiração apareceu para a escrita. Escutei a seguinte afirmação: “falar de si é importante para um processo de emancipação coletiva”.
Reconhecer-me mulher negra me doeu. Desaguei. Foi um processo de luto. Precisei morrer, para renascer. Quando me vi sozinha nos espaços e entendi o porquê daquilo, uma navalha na carne me atingiu. Quando eu chorava sozinha pelos cantos com insultos sobre meu cabelo e o tom da minha pele, não entendia e as cicatrizes aumentavam. Quando era descrita como uma “negrinha feia”, essas palavras não faziam sentido, mas doíam maquinalmente. Quando eu passei a não ser admitida em algumas empresas; quando eu não era considerada alguém para “ namorar”, enfim, tantos “quandos” surgiram que foi urgente buscar o porquê. O incômodo foi tamanho que cheguei ao ponto de sentir vergonha de quem eu era, vergonha da minha cor de pele e eu não quero que outras mulheres negras se sintam assim, mas se sentirem, que saibam que há uma rede de apoio para cura e afeto, pois eu encontrei. E estou aqui para ajudá-las.
Eu precisei de 30 anos – hoje, tenho 36 – para reconhecer que a sociedade não é amigável com as mulheres negras. Que somos taxadas, ameaçadas, presas, julgadas, violentadas, escancaradas de modo devastador. Ao longo dos meus 36 anos, eu necessitei gritar por ajuda, eu necessitei pedir socorro, eu precisei alegar que eu não sou forte o tempo todo, porque a nós, mulheres negras, foi nos dito que temos que ser forte, custe o que custar. “Engole esse choro. Você é maior do que essas pessoas. Você precisa ignorar o que lhe falam”. Não, não temos que engolir nada, não temos que nos sobrepor a ninguém e muito menos ignorar que nossas dores sangram e insistem em mexer na ferida.
Minha trajetória como mulher negra se assemelha a tantas outras mulheres negras brasileiras: periféricas, sem perspectivas de futuro, famílias desarranjadas, estereótipos estipulados e com o carimbo do “não vai vencer na vida” no rótulo. Filha de um trabalhador rural e de uma mãe analfabeta. Queria estudar. Hoje, professora, mestranda, jornalista e com um desejo: que essa praga do racismo estrutural deixe de nos assolar e que as mulheres negras consigam a tão esperada equidade social.
Comecei o texto evocando minha ancestralidade. Finalizo agradecendo a todas que vieram antes de mim! Axé, Queridas! E para as mulheres negras: acheguem-se! É chegada a hora da nossa primavera. A cura também é dada quando nos enxergamos em nosso semelhante e buscamos resistências para o fronte. Representatividade, né.
Quem é Viviane Alexandrino

Sou a Viviane, tenho 36 anos e atuo como professora de Língua Portuguesa em colégios da cidade de Londrina. Além da formação em Letras Português, pela UEL, e mestranda em Estudos Literários pela referida instituição, sou formada também em Jornalismo, profissão essa que exerci durante 10 anos antes de me apaixonar pela educação.
Foto: Ezekixl Akinnewu no Pexels