A sociedade ainda não está preparada para ver – e aceitar com naturalidade – mulheres negras em lugares de destaque, com poder aquisitivo, usando marcas caras e de prestígio social
“O racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes e inconscientes”. Essa citação foi retirada do livro do professor e jurista Silvio Almeida intitulado Racismo Estrutural. Começo a coluna da semana com essa citação para abordar o desconforto gerado na sociedade quando ela se depara com uma mulher negra em processo de ascensão social. Aqui, leia-se ascensão social nas esferas econômicas, intelectuais, amorosas, familiares.
“Que tem a raça como fundamento”. É preciso ler essa afirmação e compreender todo o peso histórico que ela possui, pois, a raça é a essência para depreciar as conquistas da mulher negra, por exemplo.
Quando houve a Abolição da Escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888, os negros foram “libertos”, mas a eles não foi destinado nenhuma preocupação, o que hoje chamamos de políticas públicas, para sua inclusão social. Inclusive, as pessoas negras foram impedidas durante um trajeto da história do Brasil de frequentarem espaços escolares, mesmo após a assinatura da Lei Áurea.
Tomemos por exemplo a História. A Constituição Imperial de 1824 previu a educação primária gratuita a todos os cidadãos. Essa determinação excluía os escravizados, já de partida, do acesso aos estabelecimentos oficiais de ensino. Outro exemplo é datado de 15 de outubro de 1827, momento em que foi publicada a primeira Lei nacional sobre instrução pública, que vigeria até 1946. No entanto, ela não fazia qualquer menção à educação escolar de negros.
Por que fiz essa pequena contextualização histórica para trabalhar o tema de hoje? Para mostrar que NÃO temos as mesmas oportunidades de inserção social se comparado à população branca. E quando uma mulher negra consegue furar a bolha do clichê social da empregada doméstica, por exemplo, a sociedade teima em desmerecer suas conquistas.
Na semana passada, mencionei, nesta coluna, o tamanho da importância da representatividade para a população negra. Como é urgente que tenhamos negras de sucesso e reconhecimento social, intelectual, financeiro em todas as esferas da sociedade. E mais necessário ainda é que tais mulheres cheguem e fixem seus espaços, mas sem deméritos que tirem o prestígio das chegadas.
Quando uma mulher negra está em ascensão social é comum lermos em comentários de redes sociais, por exemplo, que a fulana é uma “negra metida”. Eu mesma já ouvi isso, porque já apareci em programas de televisão, porque já tive meu trabalho reconhecido. Mas eu me pergunto se tal pergunta também é direcionada para mulheres brancas, quando elas estão ostentando seus triunfos na internet.
Outro apontamento, que eu já ouvi aos montes, “ o que você fez para ter isso, hein? ”. É comum que pessoas se sintam incomodados com pequenos momentos de felicidades de uma mulher negra, como uma viagem, por exemplo. Já perdi a conta de quantas vezes eu ouvi que “estava me achando”, simplesmente por passar um carnaval na praia. Os sujeitos querem o bônus, mas não querem vestir minha pele no dia a dia e sentir o pesado ônus de ser uma mulher negra e periférica.
A atriz Taís Araújo uma vez mencionou em uma entrevista que costumava ouvir com frequência o termo “Preticinha”. Se ela estivesse usando uma base de uma marca considerada cara, ela era chamada de metida. Se estivesse com uma bolsa de uma grife poderosa, perguntavam-lhe se a bolsa era original. Se conquistasse um papel de visibilidade em novelas, davam a entender que estaria dormindo com alguém. E isso se materializa no dia a dia de várias mulheres negras. Infelizmente. O racismo que transborda em nossa sociedade não consegue aceitar o sucesso da mulher negra, sem tentar justificá-lo de forma pejorativa.
Afinal, ainda estamos em processo de desmascarar o racismo que impera em todas as camadas sociais do país. Uma parcela da sociedade é racista. A sociedade brasileira espera que o negro ainda aceite, sem questionamento, o papel de servil. Mas é preciso destacar que estar em ascensão não quer dizer que estamos em posição de poder social. Não, estamos buscando alternativas para fugir da subalternidade, dos estereótipos que sempre nos foram dados. A trajetória será longa e trabalhosa.
Axé!
Quem é Viviane Alexandrino

Sou a Viviane, tenho 36 anos e atuo como professora de Língua Portuguesa em colégios da cidade de Londrina. Além da formação em Letras Português, pela UEL, e mestranda em Estudos Literários pela referida instituição, sou formada também em Jornalismo, profissão essa que exerci durante 10 anos antes de me apaixonar pela educação.
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