Por Edra Moraes
Esta semana, percebi um movimento diferente na rede: um grupo de artistas se dedicava a explicar a Lei Rouanet, com o intuito claro de minimizar a quantidade de fake news e a má compreensão em torno da lei. Decidi entrar nessa onda e fazer deste tema o objeto da minha reflexão. Afinal, fevereiro é o mês em que a plataforma se abre novamente para a inscrição de propostas.
Lei Rouanet, como dizem por aí, “ruim com ela, pior sem ela” – uma expressão que, apesar de irônica, resume bem a importância e as controvérsias que cercam esse instrumento. Quero deixar claro que aqui compartilho minhas opiniões, baseadas na minha vivência com a cultura e no meio em que círculo, portanto, posso estar errada ou equivocar-me em alguns pontos. Sinta-se à vontade para criticar qualquer aspecto que considerar relevante.
Entre o incentivo cultural e os desafios da distribuição de recursos
A Lei Rouanet, oficialmente conhecida como Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91), é, há décadas, um dos instrumentos mais discutidos no cenário cultural brasileiro. Instituída em 1991, durante o governo de Fernando Collor de Mello, a lei surgiu com a nobre intenção de fomentar a produção cultural nacional por meio de incentivos fiscais. Contudo, a forma como esses incentivos são aplicados – e, principalmente, quem detém o poder de decisão – levanta questões relevantes sobre os rumos do apoio à cultura no país.
Um mecanismo de incentivo com dupla face
De forma simplificada, a Lei Rouanet permite que empresas e pessoas físicas redirecionem parte do seu Imposto de Renda devido para financiar iniciativas culturais previamente aprovadas pelo Ministério da Cultura (MinC). Em essência, em vez de repassar esses recursos ao governo, o contribuinte pode investir diretamente em ações que, teoricamente, promovem o acesso e a diversidade cultural.
Porém, essa dinâmica gera uma consequência direta: a escolha dos projetos financiados fica a cargo dos investidores privados, e não de uma política estatal baseada em critérios amplamente democráticos. Essa transferência de decisão para o setor privado impõe uma lógica de mercado, onde o potencial de retorno – medido, por exemplo, pelo impacto em grandes audiências – pesa mais do que a relevância cultural intrínseca de uma proposta. Assim, iniciativas de grande escala, frequentemente ligadas a artistas consagrados ou a eventos de massa, tendem a se destacar, enquanto projetos menores, locais ou de artistas emergentes acabam ficando em segundo plano.
Lei Rouanet: críticas de todos os lados
É interessante notar como a Lei Rouanet se tornou o saco de pancadas dos desinformados. Críticos de todos os lados a utilizam como estopim para suas argumentações, cada um apontando falhas diferentes. De um lado, há quem ressalte a concentração de recursos em iniciativas que já teriam condições de atrair patrocínios sem o auxílio fiscal, questionando se a verba pública não deveria ser direcionada para ações culturalmente menos favorecidas. Do outro, setores da esquerda defendem a lei como ferramenta indispensável para democratizar o acesso à cultura, sem, contudo, avaliar se o mecanismo atual cumpre plenamente esse papel.
Esse paradoxo revela um ponto central: por operar segundo os ditames do mercado, a Lei Rouanet acaba privilegiando o que é comercialmente viável, muitas vezes em detrimento de uma diversidade cultural que atenda às demandas das comunidades locais. Enquanto os incentivos favorecem iniciativas de grande visibilidade, aquelas que atuam em nichos ou em regiões historicamente negligenciadas tendem a ser deixadas de lado.

Diante desse cenário complexo, é fundamental explorar alternativas
Diante desse cenário complexo, acredito que é urgente repensar o funcionamento da Lei Rouanet. Intensificar a transparência no processo de aprovação e execução dos projetos, divulgar com clareza os critérios utilizados e monitorar a aplicação dos recursos ajuda a evitar desvios, garantindo que o investimento público seja feito de forma ética e eficaz.
Estudos recentes sugerem que uma maior transparência pode reduzir a concentração dos recursos, favorecendo uma distribuição que beneficie comunidades locais e minorias culturais. Um estudo de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (*) mostrou a alta concentração dos recursos aprovados pela Lei Rouanet no período de 2009 a 2018 na Região Sudeste do Brasil, com 76,8% dos recursos. As outras regiões do Brasil somam menos de ¼ dos recursos aprovados no mesmo período. Essa alta concentração é visível também quando se considera o total captado por região. Os dados do estudo mostraram que São Paulo e Rio de Janeiro representam 69% dos recursos captados. Um dado alarmante revelado pelo estudo é que 87,1% dos municípios brasileiros não tiveram projetos apoiados pela Lei Rouanet.
Com essas mudanças em mente, é importante repensar também o papel da cultura na sociedade
Para mim, a cultura deve ser tratada não apenas como um produto de consumo, mas como um elemento central na construção da identidade e na coesão social de um país. Empresas que se beneficiam dos incentivos da Lei Rouanet poderiam – e deveriam – direcionar parte de seus investimentos para iniciativas que atuem de maneira local, fortalecendo as comunidades onde estão inseridas. Essa postura não só enriquece o tecido social, mas também contribui para um ambiente cultural mais plural e representativo.
A Lei Rouanet continua sendo um dos instrumentos mais importantes – e, ao mesmo tempo, controversos – de incentivo à cultura no Brasil. Repensar os critérios de financiamento e adotar medidas que garantam uma distribuição mais justa dos recursos são passos fundamentais para que a lei cumpra seu papel de maneira ética e inclusiva.
(*) Teixeira, L. C., Xavier, W. S., & Faria, E. R. de. (2024). Distribuição geográfica de projetos culturais com captação de recursos via Lei Rouanet. DRd – Desenvolvimento Regional Em Debate, 14, 556–578. https://doi.org/10.24302/drd.v14.5320
Baixe aqui o guia da nova lei Rouanet.
Edra Moraes

Profissional de marketing, produtora cultural e escritora. Agitadora cultural e idealizadora do Movimento Londrina Criativa. Prêmios: Obras Literárias Digitais 2020, “Antologia Poética | Seleção da Autora, Memorial Vivência, Literatura, Livro e Leitura Unespar, Cultura nas Redes 2020 e FCC Digital 2020. Me siga nas redes sociais: Facebook, Instagram @edra_moraes, YouTube @edra-moraes27. Contatos: e-mail edra.moraes27@gmail.com e fone/whatsapp: (41) 997722447.
Leia mais sobre Economia Criativa
(*) O conteúdo das colunas não reflete, necessariamente, a opinião do O LONDRINENSE.