Meus encontros com Sergipe: um chamado do Nordeste

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Por André Luiz Lima

Sergipe vem sussurrando no meu ouvido, como um convite insistente. E como ignorar um chamado desses? A partir desse sussurro, fui me aproximando devagar, escutando o que o estado tinha a me contar.

Na Arte dos Encontros, os encontros são como as bordadeiras de Ouro Preto, que sentam juntas para tecer histórias – as vividas e as que ainda serão. Assim também acontece em Sergipe: entre fios de tradição e modernidade, traçam-se memórias, afetos e descobertas.

Dessa vez, o olhar vem de minha amiga Daniela, que foi para Sergipe com o coração aberto, com olhos para ver e alma para sentir. E o que ela encontrou por lá foi muito mais do que um destino – foi um encontro.

Sergipe, um pequeno grande universo

Sergipe, o menor estado do Brasil, revela-se imenso para aqueles que se permitem descobri-lo. Foi o que aconteceu com minha amiga, que chegou de mansinho e partiu maravilhada, transformada pela riqueza que encontrou. Sua jornada atravessou cidades históricas, praias intocadas e tradições que falam sobre a alma vibrante do povo nordestino.

Aracaju: o encontro com o rio, o mar e a cultura viva

Chegar em Aracaju é se deparar com uma cidade banhada pelo Rio Sergipe, cercada de águas que contam histórias. Do alto da ponte, vê-se canais cortando a paisagem, enquanto o sol ilumina as praias extensas, de areia dourada sem fim. O mar, com sua tonalidade misteriosa, mistura-se às águas dos grandes rios – o São Francisco, que separa Sergipe de Alagoas; o Rio Real, que faz divisa com a Bahia, e o próprio Rio Sergipe, que abraça a capital. O mar dali tem sua magia: ondas fortes, dunas, coqueiros inclinados ao vento e uma areia que parece nunca acabar.

Na casa de Marta, Daniela foi recebida que nem parente, percorreu a cidade ficando encantada com sua diversidade. Caminhou pela Orla de Atalaia, onde bares e restaurantes bonitos celebram os sabores da terra, e visitou o Mercado Municipal, esse coração pulsante onde a cultura vibra em cada barraca. Ali, entre cheiros de tempero e frutas tropicais, encontrou as senhoras da fábrica de tapioca, mulheres que há décadas transformam a goma branca em ouro, alimentando gerações com suas mãos ágeis e histórias de vida.

Subindo a colina, chegou à Igreja de de Santo Antônio, que do alto contempla a cidade, abençoando os viajantes e moradores com sua imponência silenciosa. No caminho, cruzou pontes que parecem ligar não apenas margens, mas tempos distintos – o antigo e o novo, a tradição e a modernidade.

E como falar de Aracaju sem mencionar o Forródromo? Um espaço onde, durante o São João, a cidade inteira se transforma em festa, e por um mês os sons da sanfona, do triângulo e da zabumba ecoam no ar. Oxe, afff, eu quero ir!

Um estado pequeno, mas gigante em identidade

Dessa vez, Daniela viveu o Nordeste de um jeito diferente. Não apenas como turista, mas mergulhando nos costumes, nas comidas e na alma desse estado pequeno e forte. Conheceu um povo receptivo e, ao mesmo tempo, dono de uma fala firme, expressiva, que lembra a altivez espanhola – gente que encanta pelo jeito direto, pela hospitalidade e pelo tempero que carrega tanto na comida quanto na vida.
Sergipe pode não ser o maior estado do Brasil, mas tem uma grandeza única, que não se mede em quilômetros, e sim em encontros, histórias e memórias.

Laranjeiras e São Cristóvão: bordados de história e cultura

No rastro das pedras seculares, Laranjeiras se ergue como um relicário da cultura popular. Cada esquina tem um conto, cada praça tem um canto. Os grupos folclóricos que resistem ao tempo são a prova viva de que a alma do Nordeste não se dobra. Os Parafusos, com seus passos ritmados, dançam como se carregassem segredos do tempo de Sinhá e Capitão-do-mato, mas com a força e a altivez de quem escreve sua própria história.

São Cristóvão, a quarta cidade mais antiga do Brasil, é um poema de pedra e cal. Na Praça São Francisco, onde os séculos sussurram ao vento, a cidade repousa como um velho sábio que já viu de tudo e segue ali, impassível, vendo o mundo passar. No alto, a igreja vigia o tempo, e nas ruas estreitas, a vida segue sem a pressa que a modernidade insiste em impor.

Itabaianinha: um palco de histórias e contrastes

Itabaianinha é terra de comerciantes espertos, de conversa boa e de laços tão enredados que ninguém sabe direito quem é primo de quem, filho de quem, neto de quem. As famílias são numerosas e se casam entre si, criando um emaranhado genealógico que ninguém ousa desvendar. Se brincar, até o cachorro da praça tem parentesco com o bode do vizinho! Mas o que importa não é entender essa trama, e sim sentir o calor humano que faz qualquer um se sentir parte da família.

O cenário árido lembrou o sul da Espanha, com um toque da Índia: motos, vacas passeando tranquilamente pelas ruas e um ritmo de vida que mistura o rústico e o inesperado. Na entrada da cidade, um cemitério imponente chama atenção – mas sem ninguém enterrado ali! Um monumento à espera de histórias, como um enredo perdido de “Sucupira”. As janelas das casas são verdadeiras arquibancadas da vida cotidiana; dali, os moradores observam quem passa, comentam, acenam e costuram suas próprias novelas.

E falando em novelas, há histórias que parecem saídas direto da ficção, mas são pura realidade nordestina. Na casa onde Daniela foi visitar, conta a história que na televisão exibia uma cena tensa: um vilão prestes a atirar. O tio da amiga, tomado pelo calor do momento, reagiu antes mesmo do personagem. Pegou o cinzeiro ao lado e lançou contra a tela – num reflexo certeiro de proteção! O resultado? Um furo na televisão e mais um episódio inesquecível para o repertório das histórias da cidade.

Mas se tem algo que torna Itabaianinha ainda mais singular é sua famosa “cidade dos anões”. A região abriga uma das maiores concentrações de pessoas com nanismo no Brasil, um fenômeno genético que atravessa gerações. Ali, as ruas contam histórias de superação, de identidade e pertencimento. A cidade que já é um enredo por si só também é lar de personagens que transformam qualquer encontro em uma verdadeira fábula nordestina.

Em meio a esse mosaico de tradição, fé e espontaneidade, as casas exibem pequenos altares nas entradas, guardiões silenciosos da vida que pulsa ali. E no coração dessa cidade cheia de encantos, um contraste inesperado: o Polo Moda. Um shopping a céu aberto, moderno, vibrante, onde as lojas vendem no atacado e no varejo, trazendo um sopro de inovação para esse pedaço singular do Nordeste.

Coqueiros e Mangue Seco: o cenário de Tieta

Na divisa com a Bahia, Coqueiros é um retrato vivo dos romances de Jorge Amado. Ali, cada olhar tem um quê de mistério, cada conversa tem um rastro de poesia. O tempo corre solto, como menino de pé no chão, brincando de roda na praça.

Já o Mangue Seco é terra de vento e silêncio. As dunas se movem ao sabor do tempo, como se guardassem os segredos de Tieta e seus amores proibidos. Os coqueiros se inclinam como quem escuta as histórias do mar, e o sol se põe num espetáculo que faria qualquer poeta perder a fala. A paisagem é um convite à contemplação, onde o branco da areia encontra o azul infinito do céu e o verde das palmeiras desenha sombras dançantes sobre o chão quente.

Para explorar esse cenário de cinema, Dani e Ivone, sua amiga de aventuras que a convidou para essa viagem, contaram com a ajuda de Bidugo, um simpático guia que conduzia seu Uber Buggy como quem leva amigos para um passeio no quintal de casa. Entre risadas e rajadas de vento, ele mostrava cada curva das dunas, cada recanto escondido onde a paisagem parecia sussurrar histórias. O buggy deslizava pelas areias macias, subindo e descendo como numa coreografia natural, revelando vistas que pareciam saídas de um sonho.

As dunas de Mangue Seco não são apenas areia; são esculturas do tempo, moldadas pelo vento e pela maré. Caminhar por elas é sentir o coração do lugar pulsando sob os pés, é ouvir os passos ecoando no silêncio vasto. O horizonte se dissolve em tons dourados ao entardecer, e o vento carrega consigo os ecos das histórias que ali se desenrolaram – de Tieta aos pescadores que conhecem os humores do mar como se fossem velhos amigos.

Mangue Seco é um refúgio onde o tempo se desmancha na brisa salgada, onde a simplicidade da vida se mistura à grandeza da natureza. Um lugar onde cada encontro, cada conversa, cada pôr do sol deixa uma marca na memória, como pegadas leves na areia fina.

Penedo: a fé navegante de Alagoas

Penedo, com suas igrejas brancas debruçadas sobre o rio São Francisco, parece um quadro pintado com fé e esperança. Durante a festa do Bom Jesus dos Navegantes, a cidade inteira se veste de devoção, e o Velho Chico se transforma em um espelho de promessas, refletindo a alma de um povo que reza, canta, dança e agradece.

Todas as fotos são de Daniela Januzzi

No meio da multidão, Daniela sentiu a energia que unia a todos ali. O cortejo de embarcações enfeitadas deslizava sobre as águas como uma procissão flutuante, levando consigo pedidos e gratidão. Ela observava os rostos ao seu redor – olhos fixos no sagrado, lágrimas discretas escorrendo enquanto a imagem passava. Uma senhora ao seu lado apertava um rosário entre os dedos, murmurando orações baixinho. Mais à frente, uma mãe levantava seu filho nos braços, como se o oferecesse à proteção do santo. Flores eram lançadas ao rio, se misturando às águas que carregam histórias, promessas e esperanças.

Daniela percebeu que, naquele momento, não era uma espectadora – era parte daquele instante sagrado. Quando a imagem passou diante dela, sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Sem pensar, levou uma das mãos ao peito, como tantos ao seu redor. A outra segurava uma flor que, num gesto quase instintivo, soltou ao vento, deixando que o rio a levasse junto com seus pensamentos.

O cheiro da cera dos círios se misturava ao vento que soprava do São Francisco, e a música sacra encontrava os batuques e cânticos populares, criando um espetáculo que era tanto terrestre quanto celestial. Daniela compreendeu que aquela fé, tão intensa e genuína, transcendia a religião – era o coração do Nordeste pulsando em uníssono, era a força de um povo que, mesmo diante das dificuldades, continuava acreditando na beleza da vida.

Ali, naquele instante, Daniela se viu espelhada na emoção de todos. Sentiu que, assim como as águas do rio que não param de correr, a fé também a atravessava, conduzindo-a para algo maior.

Sergipe, um espelho de beleza e profundidade

Sergipe se revelou muito mais do que um destino. Entre praias intermináveis, cidades que crescem sem perder sua essência, tradições que resistem ao tempo e um povo que acolhe com verdade, ele se tornou um encontro inesquecível.

E como bem disse Hermann Hesse: “Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo.
Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma.”

Assim é Sergipe – um espelho do Brasil extraordinário, um convite para simplesmente ser.

Um convite para o próximo encontro

A emoção do encontro de Daniela acendeu uma chama que chegou até mim com a alegria vibrante desse Brasil Extraordinário.

Agora, estou preparando esse encontro pessoalmente. Quem quiser embarcar nessa jornada comigo, é só levantar a mão e dizer: “Eu vou!”

Deixe sua mensagem nas minhas redes e vamos juntos viver mais esse capítulo da Arte dos Encontros – tudo junto e misturado, do jeito mais bonito que pode ser.

Um cheiro procês!

Viva a Vida, André!

Sergipe é um pequeno grande universo, cheio de cores, sabores, tradições e cultura, mas principalmente de pessoas que acolhem com verdade. Minha amiga Daniela foi conhecê-lo e eu me preparo para ir também

André Luiz Lima

Londrinense, ator, diretor, professor, palestrante e produtor cultural. Siga os Instagrans de André@allconnecting @aondevaiandre

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(*) O conteúdo das colunas não reflete, necessariamente, a opinião do O LONDRINENSE.

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Respostas de 2

  1. Parabéns pela materia maravilhosa com essa mistura de André Lima com Ariano Suassuna e pitadas de Jorge Amado.
    Consegui viajar novamente través do seu texto e da sua visão poética.
    Obrigada por tanto carinho.

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