Telma Elorza
O LONDRINENSE
No coração do londrinense raiz, o Carnaval na cidade sempre foi mais do que uma festa. Sempre foi um momento de celebração coletiva, de expressão cultural e de comunidade se reunindo nas ruas para dançar ao som das marchinhas e dos batuques dos blocos carnavalescos, no domingo e na terça-feira de Carnaval. Os que moram em Londrina há 40 anos (como eu) ou mais, vão se lembrar dos desfiles carnavalescos na Avenida Paraná (década de 1970), depois na Rua Maringá (década de 1980-1990); Leste/Oeste, Autodrómo, sempre com blocos de foliões anônimos e empolgados que depois lotavam os clubes). Isso durou até 2013, se não me falha a memória. Deste período até antes da pandemia de Covid, foram os shows do Bloco Bafo Quente, primeiro na Praça Nishinomiya e depois, no Aterro do Igapó, que lotavam de gente feliz e dançante.

No entanto, foi pós-pandemia que o Carnaval londrinense começou a dar problemas. Veio o Trio Elétrico arrastando multidões pelas ruas do centro (e gerando reclamações); passaram para a avenida do Jardim Botânico (e gerando reclamações) e culminou com sua proibição, no ano passo, quando aconteceria no Centro Social Urbano.
Na onda da proibição, a vereadora Jessicão propôs o projeto de lei, o 56/2024 – que “Veda a liberação de verbas públicas para contratação ou financiamento de eventos carnavalescos, como desfiles, comemorações, espetáculos, passeatas e marchas, no âmbito do Município de Londrina”. O projeto foi passou pela Comissão de Justiça, Legislação, foi retirado de pauta e agora tudo indica que deve voltar na abertura dos trabalhos. Ou seja, não bastasse as reclamações, agora é o poder público que quer se meter na festa mais popular do Brasil.
O Carnaval de Londrina mudou de novo
O futuro do Carnaval na cidade parece estar mudando drasticamente e para uma coisa totalmente fora do contexto da data. Principalmente porque os principais organizadores estão com receio de fazer a festa na cidade. Para não passar em branco, o Bloco Vê se Pode organizou um festival para substituir o Carnaval de Rua, tão controverso nesta cidade tão careta. Na segunda-feira, dia 3 de março, o bloco estará organizando uma festa no Parque Ney Braga, um espaço privado, com 80% dos ingressos gratuitos.
A notícia que o único (até o momento) Carnaval que teremos será em ambiente confinado gerou uma onda de sentimentos mistos entre os londrinenses. Por um lado, há quem veja isso como uma solução para garantir a segurança e o controle durante o evento, mantendo o espírito da alegria com atrações típicas da data. Com a mudança para um local privado, os organizadores têm maior controle sobre a infraestrutura, segurança e até mesmo sobre a qualidade das atrações oferecidas. Isso pode significar menos preocupações com questões como ruído excessivo, sujeira nas ruas e possíveis conflitos que às vezes ocorrem em espaços públicos.
Por outro lado, muitos – como eu – lamentam a perda do espírito comunitário que caracterizava o Carnaval nas ruas. A festa, que antes era acessível a todos, sem a necessidade de reservar um ingresso (mesmo que gratuito), espontâneo e que refletia a diversidade e a riqueza cultural da cidade, agora parece estar se tornando mais exclusiva e segmentada. A mudança para locais privados pode significar que nem todos terão acesso ao evento, seja devido a limitações de ingressos ou financeiras (já viu quanto custa um UBER para ir até o Parque Ney Braga?) para participar de festas deste tipo.
Além disso, há preocupações legítimas sobre como essa transição afetará economicamente a cidade. O Carnaval nas ruas não era apenas uma celebração cultural, mas também uma oportunidade para o comércio local prosperar. Bares, restaurantes, vendedores ambulantes e pequenos negócios ganhavam muito com o movimento gerado pela multidão que enchia as ruas e que depois iam procurar estender a diversão.
Como o carnaval em espaços privados, parte desse impulso econômico pode se perder, já que, para estar lá, o vendedor certamente terá que desembolsar um valor específico para comercializar seus produtos no local (é óbvio que até uma garrafinha de água vai ser muito mais cara neste ambiente do que um ambulante ou barzinho na área pública venderia).
Adicionalmente, a decisão de realocar o Carnaval para recintos privados levanta questões sobre a própria natureza do espaço público na cidade. O Carnaval, como uma festa tradicionalmente realizada nas ruas, permitia que todos participassem e desfrutassem, independente da classe social.
Ao mover a celebração para espaços privados, corre-se o risco de reforçar a ideia de que certos tipos de expressão cultural são mais adequados em ambientes controlados e segregados, em vez de serem celebrados abertamente nas ruas, onde pertencem a todos.
Por fim, enquanto o Carnaval de Londrina se adapta a essas novas realidades, é importante que os líderes comunitários e os organizadores do evento considerem cuidadosamente os impactos de longo prazo dessas mudanças. A transição para espaços privados pode oferecer vantagens em termos de organização e segurança, mas não sem custos.
Preservar o espírito inclusivo e comunitário do Carnaval, ao mesmo tempo em que se ajusta às exigências de segurança e regulamentação, será fundamental para garantir que o evento continue a ser uma celebração vibrante e significativa para TODOS os londrinenses. Por mim, o evento voltava ao Aterro do Igapó, um espaço de todos e que todos podem frequentar, mesmo que eu não curta mais o Carnaval.
Foto principal: Bloco Bafo Quente no Aterro do Igapó/Arquivo/Divulgação