Recente matéria jornalística investigou a abordagem de balconistas em farmácias. De acordo com reportagem, balconistas receberiam comissões para “empurrar” a venda de medicamentos conforme a margem de lucro e de comissão, deixando em segundo plano a saúde do consumidor.
Destaca-se, desde já, que as farmácias são estabelecimentos cujas atividades têm o exercício e fiscalização regidas pela Lei 13.021/2014. De acordo com referido diploma legal, é dever do farmacêutico “prestar orientação farmacêutica, com vistas a esclarecer ao paciente a relação benefício e risco, a conservação e a utilização de fármacos e medicamentos inerentes à terapia, bem como as suas interações medicamentosas e a importância do seu correto manuseio” (Artigo 13, inciso VI).
Sentido em que se deve observar a responsabilidade de farmacêuticos e proprietários das farmácias que “agirão sempre solidariamente, realizando todos os esforços para promover o uso racional de medicamentos” (Artigo 10 da Lei 13.021/2014).
Uma vez estabelecidas essas premissas, devemos questionar a postura de empurrar remédios por lucro e não por saúde. Até porque o consumidor deposita confiança de que receberá atendimento com informações voltadas à sua saúde e não ao bolso do balconista e do estabelecimento.
A bem da verdade, o balconista não pode agir de tal forma, uma vez que os medicamentos livres de prescrição médica devem ter sua dispensação (orientação para uso e venda ao consumidor) realizada por farmacêutico, ao passo que os medicamentos com prescrição médica – como o nome diz – devem estar acompanhados da prescrição médica.
De uma forma ou de outra, o interesse deve ser a promoção do uso racional do medicamento e da saúde do consumidor paciente, jamais a comissão tampouco o lucro. Tal inversão se revela incompatível com a obrigação legal do farmacêutico de visar a garantia da eficácia e da segurança da terapia necessária ao consumidor.
Não por acaso, Michael J. Sandel, influente filósofo da atualidade, defende que devemos questionar o que o dinheiro não pode comprar. Para o autor, chama a atenção o “agressivo marketing adotado pelos laboratórios farmacêuticos para a venda de remédios aos consumidores”. O filósofo defende a discussão para “decidir em que circunstâncias o mercado faz sentido e quais aquelas em que deveria ser mantido a distância”.
De fato, essa preocupação não é apenas nos Estados Unidos da América (local de nascimento do filósofo), porém como revelado na reportagem do Fantástico a preocupação com os limites deve ser também no Brasil.
Um passo nessa direção são os limites ao exercício farmacêutico estabelecidos na Lei 13.021/2014, cuja observância deve se dar em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor, sendo vedada a prática de empurrar um medicamento ao consumidor, aproveitando-se de sua vulnerabilidade e falta de conhecimento técnico (Artigo 39, IV do CDC).
O consumidor que se deparar com uma tentativa do balconista ou do farmacêutico em empurrar um medicamento deve denunciar a prática tanto no PROCON quanto no Conselho Regional de Farmácia, sendo que eventuais processos administrativos devem apurar a conduta não apenas da Farmácia, mas sobretudo dos laboratórios farmacêuticos.
Flávio Caetano de Paula Maimone

Advogado especialista em Direito do Consumidor, sócio do Escritório de advocacia e consultoria Caetano de Paula & Spigai | Mestre em Direito Negocial na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Professor convidado de Pós Graduação em Direito da UEL.
@flaviohcpaula
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