Meus encontros com o Nordeste pelos relatos de uma francesa

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Por André Luiz Lima

Um sonho de criança pode se transformar em um amor para a vida toda, mesmo que o rumo e o foco mudem completamente. Esse sonho me levou por muitos caminhos, e é nesse trajeto de encontros que o destino vai se delineando. A arte do encontro, através das relações e dos diversos olhares, conecta pessoas e transforma mundos. No último texto, “Meu Encontro com o Rio de Janeiro pelos olhos de uma francesa“, comecei a compartilhar minhas conversas com Chantal Manoncourt, sobre como ela descobriu um Brasil Extraordinário. Hoje, dou sequência a essa deliciosa troca, dessa vez com olhos no Nordeste.

Chantal me apresentou ao Brasil sob uma nova perspectiva e foi inspirado por essa visão que decidi explorar esse país extraordinário, a partir do nosso encontro. Para relembrar: eu estava em Paris, sentado em um café, quando minha amiga Chantal começou a me contar sobre sua primeira viagem ao Brasil e como essa experiência transformou sua visão e praticamente sua vida. Chantal fala dos seus encontros com lugares, pessoas, arte, cultura e sabores com uma riqueza de detalhes impressionante, mesmo depois de tantos anos. Isso me fascina, pois revela como essa experiência mudou seu olhar sobre o Brasil e, de certa forma, enriqueceu o meu próprio, mostrando-me belezas que muitas vezes passam despercebidas.

Essa capacidade de enxergar além do óbvio, creio, está enraizada em suas origens. Chantal possui uma casa de campo em Giverny, uma propriedade que pertence à sua família há gerações, vizinha dos icônicos jardins de Claude Monet. Crescendo imersa na atmosfera que inspirou algumas das obras mais célebres da arte impressionista, ela desenvolveu um olhar apurado para a beleza, seja nos reflexos da água, nas nuances de cor ou na simplicidade da natureza. Foi esse mesmo olhar que ela trouxe consigo ao Brasil, onde encontrou uma riqueza cultural e natural que a cativou profundamente.

Quando Chantal descreve suas experiências no Nordeste do Brasil, ela faz isso com a mesma paixão e sensibilidade que Monet aplicava em suas pinceladas, capturando a essência da vida que pulsa em cada canto dessa região. Assim como os jardins de Giverny se tornaram uma tela viva nas mãos de Monet, o Nordeste tornou-se uma paisagem vibrante e multifacetada na visão de Chantal. É essa visão, rica em detalhes e profundamente conectada à arte, que também influenciou minha própria jornada como artista, levando-me a enxergar o Brasil através de uma lente ainda mais apurada e sensível.

Foi assim que ela me contou o Nordeste:

“Após sair de Salvador, alguns amigos me sugeriram visitar Feira de Santana. Era domingo, e soube que o mercado de gado aconteceria na segunda-feira, de madrugada. Peguei um ônibus e, ao cruzar o interior da Bahia, descobri uma terra árida que me fascinou. Cheguei a Feira de Santana após duas horas de viagem e, durante o trajeto, conheci um casal de italianos. Ao desembarcarmos, enfrentamos o desafio de encontrar hospedagem, já que todos os hotéis estavam lotados. Por fim, conseguimos um pequeno hotel simples, mas acolhedor. A cidade estava vibrante, com muitas pessoas animadas pela feira de gado e o mercado artesanal, onde encontrei belos objetos de couro, bolsas, cintos e até as vestes típicas dos vaqueiros. Também provei uma deliciosa carne mal passada em uma churrascaria local!

Após explorar a Bahia, fui para Maceió, no estado de Alagoas, onde me deparei com algumas das praias mais lindas que já vi no Brasil. Essas praias são protegidas por uma barreira de recifes que formam piscinas naturais, o que me encantou, pois não sou fã de ondas. Provei ostras frescas, uma especialidade rara e deliciosa da região. Hospedei-me no Hotel Jatiúca, na Lagoa da Anta, um lugar maravilhosamente localizado, com uma praia paradisíaca. Também visitei Morro de São Paulo, com suas praias numeradas – primeira, segunda, terceira – que, na época, eram pouco conhecidas, mas imagino que hoje sejam bastante badaladas.

Em Recife, uma das descobertas mais fascinantes foi a Capela Dourada, com seu altar ornamentado, estátuas ricas e belíssimos trabalhos em madeira. Perto dali, no Museu de Arte Sacra, admirei objetos de prata. Outra visita memorável foi à Igreja e Convento de Santo Antônio, onde os azulejos magníficos me deixaram impressionada. Passei por outras igrejas, como Santa Teresa, São Pedro dos Clérigos e Nossa Senhora da Conceição dos Militares, e aproveitei para provar sucos de frutas tropicais como manga, abacaxi, goiaba e mamão – uma verdadeira delícia! A Praça São Pedro, sempre animada, era um ponto de encontro de músicos, poetas e a encantadora literatura de cordel. Não resisti às rendas nas lojinhas de artesanato e, no mercado de São José, fiquei maravilhada com a variedade de frutas exóticas, legumes e peixes. Entre as tentações da feira de artesanato, acabei comprando um colar original com pérolas coloridas e penas de pássaro.

Pelo olhos da francesa Chantal Manoncourt, redescobri o Nordeste brasileiro. E a experiência é boa demais.
Capela Dourada/Recife – Foto: Instagram Capela Dourada

Tive a sorte de reencontrar um amigo que conheci em Manaus quando ele era chefe de escala da Air France. Agora, ele e a esposa administram um pequeno e charmoso hotel, a Casa da Praia, no bairro de Piedade, onde fiquei várias vezes. Gostei especialmente dos restaurantes Casa Grande e Senzala, além do Leite, o mais antigo de Recife.

Olinda, a apenas 7 km de Recife, me encantou com suas antigas casas coloniais. Fiquei hospedada na Pousada dos Quatro Cantos, uma casa colonial com móveis de jacarandá. Andei pelas ruas e almocei no restaurante Mourisco, onde experimentei, pela primeira vez, um abacaxi recheado com camarões – uma delícia inesquecível.

Nos arredores de Recife, a cerca de 15 km, visitei a oficina de Francisco Brennand e suas esculturas eróticas e intrigantes. Como sempre fui apaixonada por artesanato, fui a Caruaru, famosa pelos artesãos que fazem figuras de terracota representando profissões como médico, dentista e veterinário, todas com muito humor.

Oficina de Francisco Brennand – Foto: Site da oficina

Anos depois, voltei ao sul de Recife e conheci Porto de Galinhas, uma praia belíssima de águas cristalinas, protegida por uma barreira de recifes que formam piscinas naturais, tal como em Maceió. Esse lugar é um verdadeiro paraíso, uma das praias mais belas do Brasil.

São Luís, no Maranhão, é uma cidade linda que me tocou profundamente, tanto pelas lembranças da presença francesa quanto por sua beleza original. Caminhar pelas ruas, praças e becos, admirando as fachadas de sobrados revestidos de azulejos, foi como estar em um teatro a céu aberto. No Museu do Folclore, descobri a história do bumba meu boi e, no magnífico Palácio dos Leões, conheci um pedaço da França no Brasil. Esse lugar, com sua arquitetura surpreendente e interiores ricamente decorados, me fez sentir em Versalhes. O clima úmido, no entanto, compromete um pouco a conservação da cidade.

Entre as deliciosas lembranças, guardo o sabor das frutas exóticas como bacuri, cupuaçu, murici, graviola e jenipapo, tanto em sucos quanto em sorvete. Também adorei a moqueca recheada e o arroz de cuxá. O Hotel Quatro Rodas, com seu lindo jardim, foi meu refúgio. Em frente à capital, a pequena cidade de Alcântara parece uma cidade fantasma, mas é repleta de memórias históricas.

Por fim, conheci os Lençóis Maranhenses, uma paisagem que jamais imaginei existir. Um deserto em um país tropical, com dunas brancas entre pequenas lagoas que parecem flutuar entre o céu e a terra. Esse lugar irreal me deixou memórias inesquecíveis, sendo, para mim, um dos lugares mais bonitos do mundo.”

Lençóis Maranhaenses – Foto: Pixabay

Assim como aconteceu com o Rio de Janeiro, o Nordeste também deixou marcas profundas na alma de Chantal. Suas histórias revelam não apenas a beleza das paisagens e a riqueza cultural, mas também um Brasil que encanta pela simplicidade e autenticidade. Ao ouvi-la descrever cada detalhe, sinto que suas experiências não são apenas dela, mas também minhas, como se eu estivesse redescobrindo esse país extraordinário através dos seus olhos.

É fascinante perceber como o olhar estrangeiro pode iluminar o que muitas vezes nos passa despercebido. Com Chantal, redescobri um Brasil que já conhecia, mas que, através de seus relatos, ganhou novas cores, aromas e emoções. E assim, na arte do encontro, seguimos conectando mundos, transformando visões e, acima de tudo, enriquecendo nossas próprias histórias.

Foto principal: Praça do Marco Zero/Recife (PE) – Pixabay

André Luiz Lima

Londrinense, ator, diretor, professor, palestrante e produtor cultural. Siga os Instagrans de André@allconnecting @aondevaiandre

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Respostas de 3

  1. Parabéns, André Luiz,
    Com tanta clareza consegue nos passar as descobertas de Chantal Manoncourt e suas experiências vividas no nosso Brasil..Para mim foi uma leitura agradável que enriqueceu meu conhecimento do Nordeste!
    Estou encantada!
    Amarilis Vianna

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