Meu Encontro com o Rio de Janeiro pelos olhos de uma francesa

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Por André Luiz Lima

Na arte dos encontros, vou traçando meu caminho entre idas e vindas, entre encontros e desencontros, criando histórias a cada passo. Quem me conhece sabe que adoro o Brasil. E, por ter explorado o mundo afora, desenvolvi um olhar especial sobre esse BRASIL EXTRAORDINÁRIO. Estava em Paris, sentado em um café, quando minha amiga francesa Chantal Manoncourt começou a me contar sobre sua primeira viagem ao Brasil e como essa experiência transformou sua visão e praticamente sua vida. Sinto a necessidade de compartilhar com vocês esse encontro, que se entrelaça com meu próprio olhar e o de Chantal sobre os lugares que ela descreve com tanto detalhe, delicadeza e beleza.

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Foi assim que ela me falou sobre o Rio de Janeiro:

“Após 15 dias de navegação a bordo do Itabera, navio de carga da Lloyd Brasileiro, depois de deixar o porto de Le Havre, na França, cheguei ao Rio no final de julho. O navio não entrou pela baía de Guanabara; lembro-me de ter visto muitos armazéns e outros navios de carga. Era inverno, chovia um pouco, e fiquei surpresa ao ver que escurecia cedo, pois na Europa ainda havia luz até às 21 ou 22 horas. Por intermédio de um amigo francês, conheci um casal francês, Milo e Ronnie (ele era arquiteto), residentes no Rio, que me ajudaram bastante. Quando pedi que me recomendassem um hotel, eles me responderam: ‘Na casa de Jean-Baptiste.’ Fiquei intrigada e me perguntei quem era essa pessoa. Era o ateliê de Milo, na rua São João Batista, em frente ao cemitério! Foi assim que descobri o bairro de Botafogo em primeiro lugar.

Ronnie me levou ao famoso Corcovado. Do alto, a vista é deslumbrante. A baía de Guanabara parece um cenário de ópera extravagante com suas montanhas de formas fantásticas, seus picos que se destacam em ilhas e penínsulas. No meio desse caos surpreendente, surge o Pão de Açúcar, emblema resplandecente desta cidade delirante. Nesse momento, entendi porque a baía do Rio de Janeiro é a mais bela do mundo. É um encanto puro. Fiquei emocionada com tanta beleza.

O olhar de uma francesa me fez ver o Rio de Janeiro com novos olhos

Um oficial do navio me apresentou a uma de suas tias, Maria de Lourdes, muito simpática, que me mostrou as praias Copacabana, Arpoador, Ipanema, Leblon, São Conrado, imensas e tão lindas. Admirei o calçadão da avenida Atlântica, uma sinfonia toda em preto e branco e, em frente a esses prédios, sonhei em descobrir esses grandes apartamentos, essas coberturas. Queria saber quem morava lá.

Depois dessa caminhada, Maria me disse: ‘Vou te levar a um lugar famoso.’ Foi assim que descobri a Garota de Ipanema e minha primeira caipirinha, além dos deliciosos pães de queijo! Maria me contou a história do lugar, da famosa canção e do poeta e diplomata Vinicius de Moraes. Adorei a música, mas parece que, na época do carnaval, o lugar é muito mais animado.

No dia seguinte, nos encontramos em Ipanema no Barril 1800 e descobri o guaraná, bebida que gostei também. Estávamos conversando em espanhol, mas fiquei surpresa ao perceber que entendia muito bem o que Maria dizia e repetia suas palavras e frases. Quando uma palavra termina em ‘on’ em espanhol, é a mesma que termina em ‘ão’ em português. As pessoas falam devagar e, acima de tudo, cantam. Então, aprendi a falar ‘portunhol’!

Igreja da Candelária e seus detalhes (abaixo)

Gostava de andar pelas ruas da avenida Atlântica até a avenida Nossa Senhora de Copacabana e a Barata Ribeiro, parando nas lanchonetes para beber deliciosos sucos de frutas, principalmente suco de manga. Descobri um lugar muito bonito, o Cervantes, que fazia sanduíches muito bons.

Como o tempo não era muito, decidi visitar o centro da cidade. Gostei do Museu de Belas Artes, na avenida Rio Branco, em frente ao Teatro Nacional, quase uma réplica da Ópera de Paris. Mas o que me emocionou foi o Mosteiro de São Bento, obra-prima da arte colonial, com o notável trabalho em madeira do mestre Valentim. Outra igreja adorável é Nossa Senhora da Glória do Outeiro, como a proa de um navio em sua colina. O interior revela lindos azulejos. Mudança de época com a Catedral Metropolitana ultra moderna, toda em vidro e concreto armado. Mas o que mais me entusiasmou no centro foi a Confeitaria Colombo. Que lugar incrível, com móveis de madeira e cobre, vestígio único da Belle Époque.

Outro bairro, Santa Teresa, oferece uma área muito charmosa, reflexo dos esplendores do passado das eras colonial e imperial. Viajei pelo pitoresco bondinho amarelo para chegar lá e descobrir ruas sinuosas adornadas aqui e ali com palácios cor-de-rosa, casas azuis com varandas de ferro, fachadas verde-pistache. Em todo o caminho para cima, uma casa maravilhosa como refúgio de calma e beleza transformada em museu, a Chácara do Céu. Pinturas de Picasso, Monet e Modigliani adornam as paredes dos quartos bem mobiliados, mas me interessei mais pelas obras de pintores brasileiros como Pancetti, Di Cavalcanti, Carybé e, sobretudo, Portinari, pois nunca tinha ouvido falar desses grandes artistas.

Mas o que me emocionou muito foi a coleção de aquarelas de Jean-Baptiste Debret, pintor francês famoso no Brasil, mas infelizmente desconhecido na França. O pintor chegou ao Brasil em 1816 com a missão artística francesa que fundou a Academia de Belas Artes no Rio. Essas aquarelas tão delicadas contam a vida cotidiana no Rio e no país. Fiquei encantada com essa descoberta luminosa.

Em cada viagem, descobri detalhes refinados, tesouros escondidos e muitas vezes não reconhecidos pelos cariocas. Assim, o Morro da Viúva, totalmente invisível, com acesso secreto pela Travessa Acaraí, o Palácio São Clemente, espetacular residência do cônsul de Portugal, que pode ser visitada no último sábado do mês; o Caminho do Grafite em Santa Teresa, inaugurado em 2014, com 80 grafites; o Parque da Chacrinha, bem escondido no final da rua Guimarães Natal, em Copacabana.

As lembranças do estilo Art Déco se encontram no edifício Itahy, 252, Av. Nossa Senhora de Copacabana, com a beleza do pórtico finamente esculpido por uma espetacular ‘cariátide-sereia-indiana’. No mesmo bairro, o edifício Itaoca, 43 rua Duvivier, oferece uma impressionante decoração verde de ‘muiraquitãs’, talismãs amazônicos, e o edifício Guahy, rua Ronald de Carvalho 181, perto do Lido, com as grades das varandas que fazem referência às decorações marajoaras. No total, são mais ou menos 50 prédios Art Déco que deviam ser protegidos e renovados.

O Morro da Babilônia, famoso pela filmagem de Orfeu Negro, que ganhou o prêmio do festival de Cannes, em 1959, pode ser visitado e reserva belas surpresas com o passeio na Área de Proteção Ambiental que domina as casas do Chapéu Mangueira. Pode-se admirar uma grande casa amarela que pertencia ao famoso compositor Ary Barroso e, logo depois, acima, tem o Bar do David, um restaurante maravilhoso que uma amiga francesa, que mora no Leme, me apresentou, onde provei uma incrível feijoada mineira. Meus amigos cariocas se recusaram a descobrir esse lugar: de jeito nenhum… coisa de estrangeiros! Mas como insisti muito, fomos e eles adoraram!

Um dia, Maria me convidou para jantar na casa dela, e foi assim que descobri as novelas da Globo, uma verdadeira instituição brasileira. No início, achei muito cafona assistir todos os dias para não perder os capítulos, mas quando Maria me explicou a história (porque confundi os personagens, quem era amante, irmão, marido…), adorei as histórias e, finalmente, tenho um carinho enorme pelas novelas (e são muito bem feitas, com atores e atrizes ótimos) porque foi assim que passei do ‘portunhol’ ao português!”

Essas memórias da minha amiga francesa sobre o Rio de Janeiro me fizeram perceber ainda mais a beleza e a riqueza histórica desse lugar que, muitas vezes, passa despercebido até por nós, brasileiros. O olhar dela trouxe uma nova luz às minhas próprias experiências e ao meu amor por esse Brasil extraordinário.

“A verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos.” 

Marcel Proust

Fotos: acervo pessoal

André Luiz Lima

Londrinense, ator, diretor, professor, palestrante e produtor cultural. Siga os Instagrans de André@allconnecting @aondevaiandre

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Respostas de 5

  1. Grata sempre…as “descobertas” da tua amiga Chantal me levaram no ano 1991 quando eu com o meu grupo de teatro apresentamos a peça infanto/juvenil “Maria Trapalhona” sobre a “ecologia humana” que oficializou o espaço do Parque da Chacrinha. Linda lembrança!!

  2. Ler a excelente reportagem de André Luiz só enaltece o trabalho e pesquisas de Chantal Manoncourt pelo nosso Brasil
    ELa , só nos dá orgulho e reconhecimento pela sua capacidade e competência.
    PARABÉNS

  3. Ler a excelente reportagem de André Luiz só enaltece o trabalho e pesquisas de Chantal Manoncourt pelo nosso Brasil
    ELa , só nos dá orgulho e reconhecimento pela sua capacidade e competência.
    PARABÉNS
    Amarilis Vianna

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