Por professor Renato Munhoz
O mundo amanheceu órfão de uma de suas maiores lideranças éticas e políticas. Papa Francisco não foi apenas o primeiro latino-americano a ocupar o trono de Pedro. Foi o responsável por uma ruptura histórica que redefiniu o papel da religião, da política e da consciência ambiental no século XXI.
Sua morte nos deixa com uma pergunta urgente: e agora, Francisco?
Se há um símbolo capaz de resumir a dimensão de seu legado, este é a encíclica Laudato Si’ (2015). Mais do que um documento da Igreja, Laudato Si’ inaugurou um “antes” e um “depois” nas discussões ambientais planetárias. Como destaca o teólogo Leonardo Boff, consultado na elaboração da encíclica, ela representa “o mais importante texto ecológico já escrito por uma autoridade global” (Boff, 2016). A Laudato Si’ integra ecologia, justiça social e espiritualidade de forma inédita, apontando para uma “ecologia integral”, onde não há separação entre o grito da Terra e o grito dos pobres.
O sociólogo francês Bruno Latour também reconheceu, em diversas conferências, que Laudato Si’ colocou a Igreja na vanguarda da crítica à Modernidade baseada na exploração da natureza e na lógica destrutiva do capital. Para Latour, “Francisco foi o único líder global que compreendeu a profundidade da crise ecológica e propôs uma nova cosmologia política” (Latour, 2018).
Não se trata apenas de mais uma contribuição ao pensamento ambiental: trata-se de uma redefinição dos fundamentos éticos que devem orientar o nosso futuro coletivo. A encíclica convocou governos, cientistas, empresários, comunidades indígenas e movimentos sociais a reconhecerem a interdependência de toda a vida na Terra. Ela rompeu fronteiras religiosas, sendo citada em documentos da ONU, da COP 21, e em tratados internacionais que buscavam enfrentar a emergência climática.
Francisco e a sustentabilidade
Com Francisco, a sustentabilidade deixou de ser apenas uma questão técnica ou econômica. Tornou-se um imperativo moral.
Hoje, ao nos despedirmos de Francisco, a sociedade contemporânea se vê diante da continuidade (ou não) dessa ruptura histórica. A Igreja Católica também enfrenta esse dilema: eleger apenas um novo Papa ou dar prosseguimento ao projeto civilizatório inaugurado por Francisco.
O desafio é imenso. O risco de retrocesso é real. Mas o legado plantado já transformou a paisagem: existe um mundo antes de Francisco — mais indiferente, mais fragmentado, mais cego diante da devastação ambiental — e existe um mundo depois de Francisco, onde a esperança, a responsabilidade e o compromisso ecológico ganharam nova centralidade.
Laudato Si’ é, e continuará sendo, um farol para os novos tempos. Agora, a verdadeira fidelidade à memória de Francisco será medir nossas ações pela urgência que ele nos ensinou a enxergar: cuidar da Terra é cuidar da humanidade.
Foto principal: Vaticano
Professor Renato Munhoz

Educador, historiador, teólogo. Pós graduado em juventude gestão de programas e projetos sociais e educação ambiental.
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