Por Jessica Mandelli
Vivenciamos um crescente envelhecimento populacional que é considerado, hoje, um fenômeno mundial. Especialmente o Brasil vem percorrendo um processo de transição demográfica profunda devido, principalmente, a queda da fecundidade associada ao envelhecimento progressivo e acelerado.
Sabemos que a velhice corresponde à última fase de todo o ciclo vital, essa proximidade com a finitude pode desencadear várias reações e experimentações aos sujeitos idosos. Nesse sentido, a velhice é como um encontro entre o corpo e o tempo – que vai se esgotando – onde, muitas vezes, a pessoa começa a refletir sobre sua própria finitude. Situações como ver os amigos e amores falecendo, se aposentar, começar a vivenciar seus próprios problemas de saúde e, muitas vezes, limitação de autonomia, entre outras situações, desencadeiam inúmeros lutos e possíveis fantasias sobre o fim da vida, fenômeno que chamamos de luto antecipatório.
As fantasias vivenciadas do luto antecipatório podem ser as mais variadas possíveis, mas, não é raro escutarmos de pessoas idosas sobre o medo de morrerem sozinhas, de passarem muito tempo já sem vida dentro de suas casas/apartamentos – especialmente aquelas que moram só – , além de pensamentos acerca dos comportamentos dos amigos e familiares em seu velório, e também, o receio da experiência pós-morte.
Luto antecipatório
Sobre o luto antecipatório, trata-se de um conceito desenvolvido no período da Segunda Guerra, onde o psiquiatra alemão Erich Lindemann observou a reação das esposas dos soldados que retornavam da guerra. O médico observou que havia uma grande dificuldade de inclusão desse membro novamente no núcleo familiar após seu retorno, pois as esposas já haviam vivenciado um processo de elaboração de luto como se, realmente, o companheiro tivesse morrido. Assim, elas lidavam com a morte antes mesmo dela acontecer materialmente. Esse fenômeno se desenvolve pela noção de finitude, através da vivência de ameaça ou perigo real de falecimento.

Dessa forma, podemos compreender que o luto antecipatório é uma experiência complexa, composta por vários sentimentos como tristeza, medo, curiosidade e pesar, vivida de forma singular por cada indivíduo, através da necessidade de se adaptar, internamente e externamente, a uma realidade que se aproxima, mas que ainda não aconteceu de fato. Permitindo, assim, o indivíduo ressignificar de maneira gradual a realidade da perda ou da própria morte. O processo do luto antecipatório pode ser vivido de forma saudável ou complicada, a depender dos fatores envolvidos no processo de cada um.
A pessoa idosa que está vivenciando questões oriundas ao luto antecipatório pode se sentir acolhida e segura quando sua rede de apoio familiar e amigos respeitam e valorizam seus sentimentos, construindo assim sentidos coletivos ao fim da vida, como uma colcha de retalho costurada a várias mãos, com percepções e sentires diferentes, para assim, se produzir uma significação relevante a respeito da morte. Também pode ser necessário um espaço de escuta e acolhida profissional para que, através do discurso, seja possível elaborar suas perdas, lutos e relação com sua própria finitude.
Jessica Mandelli é professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) câmpus Londrina. Instagram @jessicamandelli