Por Alessandra Diehl, psiquiatra especialista em sexualidade
Uma das questões comuns de se ouvir no dia a dia é que pessoas “gordinhas” ou obesas, principalmente, não mantêm atividade sexual ou não exercem a sua sexualidade de forma satisfatória por não estarem no padrão “normativo de beleza” que a sociedade em geral exige e demanda. A questão aqui parece ser “nem sempre e nem nunca! O que quero dizer com isto? Pois bem, acompanhem-me nestes pensamentos.
Se formos observar os estudos científicos muitos deles que abordaram a temática focam muito na questão da autoimagem e satisfação sexual (ora como quase sinônimo de uma disfunção sexual e, por vezes, enquanto desempenho sexual). E de fato, muitos dados mostram que uma grande parcela das mulheres obesas entrevistadas relata altos índices de insatisfação, vergonha, baixa autoestima e algum grau de disfunção sexual. Estudo longitudinal conduzido por Nackers et al., (2015) revela que muito embora o Indice de Massa Corporal (IMC) global das 2528 mulheres avaliadas tenha mudado ao longo de 13,8 anos de acompanhamento, não esteve associado a mudanças gerais no funcionamento sexual. O desejo sexual e a frequência de relações sexuais diminuíram ao longo dos anos de ganho de peso maior do que o esperado. Os resultados revelam que a adiposidade e o funcionamento sexual mudam de ano para ano.
Já para os homens a relação entre obesidade e deficiências no funcionamento sexual masculino está bem documentada. Obesidade e doenças metabólicas podem causar deterioração de todos os tipos de função sexual com o envelhecimento, enquanto seus efeitos podem ainda não ser proeminentes em idades mais jovens (abaixo de 45 anos). No entanto, para o universo masculino (principalmente heteronormativo) não existe tanta “pressão” assim de se enquadrar num padrão de beleza mais magra como ocorre com as mulheres.
Não temos dúvida que a obesidade é uma doença séria, multifatorial, de alto impacto na saúde pública e cada vez mais epidêmica em vários locais do mundo que afeta inclusive de forma crescente as crianças. A obesidade tem sido associada à qualidade de vida e um dos aspectos importantes da qualidade de vida é o funcionamento sexual. A Organização Mundial da Saúde (OMS) nos informa que a obesidade mundial quase triplicou desde 1975. Atualmente mais de 650 milhões de pessoas no mundo são obesos. A maioria da população mundial vive em países onde o excesso de peso e a obesidade mata mais pessoas do que o estar abaixo do peso. A obesidade é evitável.
No entanto, muitos destes estudos sobre obesidade e sexualidade ainda consideram muito pouco questões muitíssimo importantes para este tema que são a cultura, o machismo, a resistência à heteronormatividade, à misoginia e a gordofobia, ao lado de outras opressões que em geral se interlaçam e acabam por se cruzarem de forma a não visibilizar este público. A literatura e a discussão parecem bem polarizada ao abordar este tema. De um lado está o desprezo pelas características e beleza da mulher gorda atribuindo a elas sentimentos de inadequação, pouca beleza e questões ligadas à estarem fora dos padrões ditos normativos de beleza e de saúde sem contextualizar a cultura em que vivem, sem contextualizar e reivindicar suas feminilidades e as suas subjetividades. O outro lado traz o empoderamento feminino da mulher gorda, com suporte para assumir a sua autoestima, a sua beleza sem, contudo, muitas vezes considerar a saúde destas muitas mulheres.
Mulheres gordas tem atividade sexual sim e também exercem suas sexualidades sim! Mulheres gordas podem ser bonitas e gostosas. Principalmente as mulheres obesas podem ter diferentes experiências com a imagem corporal e a sua saúde sexual do que mulheres de tamanho corporal dito mediano. As mulheres que expressaram que seus corpos tem valor pessoal e social inerente, independentemente do tamanho, em geral, não articulam conexões entre o tamanho do corpo e sua saúde sexual. No entanto, aquelas mulheres que procuram a a validação de seus corpos externamente para dar conta de sua atratividade lutam com a aceitação de sua sexualidade e de seus corpos e lidam de forma negativa com o seu tamanho e a aparência dos seus corpos os quais podem impedi-las de ter uma vida sexualmente saudável da forma que desejam.
Quem deve dizer isto a elas não é uma sociedade que resolveu incluir o “plus size” apenas para ser inclusiva, ter responsabilidade social ou até mesmo vender mais. Ou quem tem que dizer isto a elas não é um cara qualquer que diz que ele é “tarado em gordas”, mas sim não menos do que elas mesmas. Compreendem que deve existir um meio termo ou um balanço de um lado destes discursos (principalmente nas pesquisas e mídias sociais)? Ao contrário de polarizações e debates extremistas do outro em que qualquer trash food vale a pena! Aliás “lixo” é adjetivo que parece ser inaceitável em qualquer contexto desta temática. O direito ao prazer e o direito de se envolver apenas na atividade sexual desejada. Atitudes corporais negativas podem afetar a saúde sexual. As intervenções que visam combater o estigma baseado no peso podem oferecer um meio de promover indiretamente a saúde sexual e a autonomia das pessoas obesas. Outras pesquisas devem explorar o impacto das intervenções de controle de peso como uma estratégia para preservar a função sexual em homens e mulheres.
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