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Um salve aos nossos artistas

Rogério Fischer (*)

Desde o ano passado, mais precisamente a partir da morte de João Gilberto, em julho, que ensaio escrever algo nessa espelunca de modo a implorar a nossos artistas que abandonem o quanto possível a ideia de nos deixar.

Porque, penso, pior que perder um grande nome, desses que marcam a nossa cultura a ferro e fogo, desses que elevam a nossa alma, nosso jeito de ser, é chorar a morte deles sob esse estado de ignorância ao qual estamos submetidos.

Fica muito ruim, pior, mais doído constatar que, noves fora todos os exemplos cotidianos de desprezo pela arte e pela ciência, temos um presidente que ignora solenemente a perda de um João Gilberto, de uma Beth Carvalho, um Lúcio Mauro, um Boechat, uma Fernanda Young, e sai da toca da obscuridão para lamentar a morte de um emecê que agredia a esposa.

Queria, então, desde aquela época, escrever algo do tipo “por favor, não morram, pelo menos agora”, para não oferecer – além de para nós, a dor – o prazer mórbido aos atuais donos do poder de ignorar, desprezar e até mesmo comemorar. Sempre protelava o apelo pelo motivo óbvio de não querer parecer patético, lacrador.

Em 2019 já estávamos de luto pelo desaparecimento de Belchior, um gênio da poesia musicada que poderia nos brindar com muita, muita coisa boa, coisa nova, dilacerante, pertinente, essencial, mas que, não mais do que de repente, deixou escapar a terceira e caiu na braquiária, para reaparecer dentro de um caixão.

E hoje (13) aconteceu de novo: perdemos Moraes Moreira. Então, foda-se a pieguice: torçamos, rezemos, oremos, seja lá o que for, para que nossos artistas, em especial nossos setentões, não nos deixem órfãos nesse momento de dura travessia.

Cuidem-se, ainda mais agora com essa porra de corona que os coloca inevitavelmente no grupo de maior risco. Pelo amor de todos os deuses, cuidem-se, Gil, Caetano, Chico, Paulinho da Viola, Martinho, Fernanda Montenegro, Benjor, Rita Lee, Milton, Boldrin, Hermeto, Alceu et caterva.

Queremos todos vocês aqui, vivos, atuantes, produzindo, trepando – nem que seja em goiabeiras, o que já seria digno de aplausos.

  • Publicado originalmente no Facebook

(*) Um paulista com alma londrinense

Foto: Divulgação

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