Por Márcia Huçulak
Na semana passada, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou os dados da Demografia Médica brasileira, que mostram quantos são e onde estão os médicos e médicas em atuação no país. Como todo levantamento extenso de área importante, ele traz informações relevantes que precisam ser analisadas para o aprimoramento de políticas públicas.
Os bons dados merecem ser comemorados, mas é necessário estar atento aos desafios presentes no mapa apresentado pelo CFM. Caso contrário, há risco considerável de os avanços sucumbirem em distorções presentes no cenário atual – o que compromete a boa qualidade de saúde para toda a população.
Entre os dados positivos que me parecem bem claros estão a proporção de médicos em relação ao número e habitantes e o avanço das profissionais mulheres no setor.
Outros dados, no entanto, exigem atenção, como: a acentuada desproporção na distribuição dos profissionais (concentrados nas cidades maiores), a necessidade de se ter estrutura de apoio à atividade e de se ampliar o rigor na qualificação dos profissionais.
Detalhemos.
Nunca houve tantos profissionais médicos no Brasil: 575.930, o que representa quatro vezes mais do registrado no início dos anos 1990.
Proporção maior de médicos que nos Estados Unidos
Com isso, a proporção chegou a 2,8 médicos para cada 1.000 habitantes atualmente. É maior do que países como Estados Unidos e Japão, e a estimativa é de que (mantido o crescimento atual), em 2028, a média ultrapasse a dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o grupo de 38 países, como Reino Unido, Suécia, França e Dinamarca.
Podemos achar que a notícia é boa, mas o dado infelizmente não traduz uma realidade de que, com tantos médicos disponíveis, boa parte dos brasileiros não consegue acesso fácil aos cuidados de saúde.
A presença é muito desigual. A proporção nas capitais, por exemplo, é quase quatro vezes maior do que nas cidades do interior – 7/1.000 contra 2/1.000. A taxa nos grandes centros (além das capitais) é 12 vezes maior do que nas cidades menores, na medida em que, de cada dez médicos, seis estão em municípios com mais de 500 mil habitantes. O interior, no entanto, abriga 77% da população do país.
Desafios
O levantamento demonstra claramente, portanto, a necessidade urgente de acelerar políticas públicas que redistribuam os médicos, promovendo incentivos para fixação dos profissionais em lugares onde hoje eles simplesmente não chegam.
Não é “só” isso.
Médico, assim como as demais profissões da área da saúde profissional, precisam de estruturas, insumos e condições adequadas para exercer suas atividades, de forma a ser resultados de qualidade efetiva na saúde da população.
A situação de saúde do século XXI demanda equipe multiprofissional atuando de forma integrada. O melhor profissional não consegue atender de forma eficiente sem apoio e atuação multidisciplinar.
Formação
Além disso, a formação acadêmica do profissional médico é uma das mais sensíveis do sistema de ensino – o corpo humano, afinal, é uma máquina biológica das mais complexas (e bonitas) que existem.
De 2014 até 2023, o número de escolas de medicina mais que dobrou, de 190 para 389. Eram 78 em 1990.
Quantidade não é sinônimo de qualidade. Há evidências claras de problemas na formação, com muitos profissionais saindo das faculdades (notadamente as privadas) sem o domínio que coisas básicas de medicina.
Muitos cursos foram abertos sem as condições mínimas necessárias à formação dos médicos, muitas com práticas apenas em laboratórios simulados. No entanto, depois de diplomados passam a atuar sem empecilhos.
O debate para reverter essa situação ocorre há anos. Já passou da hora de encarar o problema de frente e tomar medidas concretas. As faculdades privadas são bem caras. Não podem iludir seus alunos e comprometer todo o sistema de saúde. Tenho defendido que temos que implantar o sistema similar a outras profissões que após formado o profissional passe por uma prova para receber a autorização para o exercício da profissão.
Mulheres
O mapa da Demografia Médica trouxe ainda o dado auspicioso de que as mulheres estão muito próximas de ter o espaço proporcional no mundo médico à sua presença na sociedade.
Num movimento que se acentuou depois de 2009, hoje elas representam 49,92% do total de profissionais – os homens são 50,08%. Espera-se que ainda em 2024 passem a ser a maioria absoluta.
Na faixa de profissionais com até 39 anos de idade, as mulheres já representam 58% de todos os profissionais, contra 42% dos homens.
Na população em geral, a proporção é de 51,5% de mulheres e 48,5% de homens.
Uma boa linha de investigação para o Conselho Federal de Medicina seria averiguar qual a proporção de mulheres nos cargos de chefia.
Conclusão
Dados, como os apresentados pelo Conselho Federal de Medicina, são imprescindíveis para o aprimoramento do sistema de saúde brasileiro e da gestão de saúde.
Que esse levantamento ajude os setores envolvidos no necessário desenvolvimento de uma área tão fundamental para a população.
Ampliar o acesso aos cuidados de saúde é fator preponderante para diminuir desigualdades no nosso país. Não há cuidado sem profissionais de saúde.
Márcia Huçulak
Como secretária de Saúde de Curitiba (2017/2022), liderou o enfrentamento da pandemia de covid-19 na capital – trabalho reconhecido nacionalmente. Formada em Enfermagem pela PUC-PR, tem mestrado em Planejamento de Saúde pela Universidade de Londres (Inglaterra) e especialização em Saúde Pública pela Fiocruz. Elegeu-se deputada estadual em 2022 pelo PSD, sendo a mulher mais bem votada do estado e a mais votada (entre homens e mulheres) de Curitiba. Encontre a Márcia Huçulak nas redes: site
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