Por Márcia Huçulak
Vaper, pod, e-pipe, e-cigar, dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) ou simplesmente cigarro eletrônico. Seja o nome que for, são alcunhas que simbolizam um dos grandes percalços da saúde pública atual, com potencial de produzir retrocesso em avanços significativos obtidos nos últimos anos na luta contra o tabagismo.
Importante lembrar: o tabagismo “convencional” ainda causa cerca de 8 milhões de mortes por ano no mundo, informa a Organização Mundial de Saúde (OMS). Além disso, está associado a doenças graves, como câncer, cardiopatias, AVC e doenças respiratórias, que sobrecarregam e oneram sistemas de saúde em todo o planeta – Brasil e Paraná incluídos.
Com riscos reais e documentados, o cigarro eletrônico vem registrando crescimento expressivo no número de usuários, principalmente entre os jovens, motivados que são (em todos os tempos) por modismos muito bem explorados pela indústria.
Eram 500 mil usuários no país em 2018, passaram a ser 2,2 milhões em 2022, segundo o Ipec (Inteligência de Pesquisa e Consultoria, ex-Ibope). O número de fumantes “tradicionais” é de 5,9 milhões.
Um em cada quatro jovens (18 a 24 anos) brasileiros já experimentou o dispositivo, sendo que quanto mais cedo se adquire o vício mais difícil de largá-lo.
Sim, há diferenças entre o cigarro eletrônico e o tradicional – e elas vêm sendo trabalhadas perigosamente pela indústria, experiente que é em se aproveitar de brechas (como algumas incógnitas sobre o tamanho do impacto danoso) e ampliar suas vendas ignorando as graves evidências de saúde já disponíveis.
É necessário lembrar de que tipo de setor estamos falando.
A indústria tabagista negou por décadas os malefícios dos cigarros. Ao mesmo tempo, promovia seu produto à base de investimentos astronômicos em publicidade claramente enganosa, além de patrocínio a estudos “científicos” capciosos.
Ou seja: adornava um produto tóxico, viciante e mortífero com uma roupagem descontraída e normal. Deu no que deu: dezenas de milhões de mortos.
Em 1997, a indústria do cigarro dos Estados Unidos foi condenada a pagar US$ 368,5 bilhões (em valor da época, que atualizado vira US$ 610,5 bilhões) em indenizações e punições, tendo sido obrigada a reconhecer os malefícios do produto.
Num indício bastante evidente de que o modus operandi não mudou muito com os cigarros eletrônicos, uma empresa do setor foi condenada a pagar no ano passado US$ 462 milhões (o equivalente a R$ 2,3 bilhões) a seis estados norte-americanos. Por quê? Por vender produto viciante a adolescentes e usar jovens nas campanhas publicitárias.
(Cito os Estados Unidos pelo fato de o país ter sido palco de decisões judiciais emblemáticas.)
No Brasil, que tem um bom histórico de combate ao tabagismo, inúmeros influenciadores digitais já promovem abertamente os vapers. Alguns canais chegam a reunir quase 200 mil seguidores e acumulam quase 20 milhões de visualizações. O argumento usado pela maioria é o mesmo da indústria: “alternativa ao cigarro tradicional”.
Novos métodos que causam velhos problemas.
Preocupação com o cigarro eletrônico
O cenário em que os cigarros eletrônicos estão ganhando terreno rapidamente no Brasil fica ainda mais preocupante quando:
- Estudos mostram que bastam 30 dias de uso para que possam ocorrer problemas respiratórios severos.
- Entre os efeitos de curto prazo estão: diminuição da função pulmonar, maior risco de problemas cardiovasculares (como enfarte e AVC), maior incidência de convulsões entre adolescentes.
- Já foi batizada até numa doença específica causada pelos cigarros eletrônicos: a “evali” (uma lesão pulmonar, provavelmente ligada a alguns solventes e aditivos presentes no produto).
- Trata-se um dispositivo proibido e não regulado no Brasil – ou seja, todos os cigarros eletrônicos vendidos no país são ilegais.
- A forte presença entre os jovens é especialmente danosa na medida em que quanto mais cedo se adquire o vício mais difícil obter resultado nos tratamentos – e mais tempo de receitas comerciais para quem vende o produto e mais custos para os sistemas de saúde.
- O mecanismo permite maior absorção de nicotina, deixando os usuários mais dependentes e imunes ao tratamento.
- Entre as substância nocivas e cancerígenas presentes estão nicotina, propilenoglicol, glicerol e formaldeído, além de metais pesados como níquel, chumbo, cádmio e alumínio.
- Não deixa de ser nocivo apenas porque vem numa embalagem bonitinha ou descolada, que pode muito bem ser confundida com um pendrive ou uma caneta.
- Segundo a Anvisa, não há evidências de que o cigarro eletrônico seja útil para diminuir o tabagismo tradicional (uma argumentação surgida junto com os produtos e argumento de venda).
- O uso de dispositivo com 7% de nicotina equivale a 20 cigarros por dia.
Como se vê, é um assunto amplo e complexo, cujos desdobramentos não cabem todos, obviamente, no espaço de uma coluna.
Pretendo aprofundar a discussão e o estudo de eventuais ações por meio de uma audiência pública a ser realizada na Assembleia Legislativa do Paraná.
Precisamos encarar mais este desafio da saúde antes que a já grande escala dos cigarros eletrônicos fique ainda maior – e soframos todos com isso.
Márcia Huçulak
Como secretária de Saúde de Curitiba (2017/2022), liderou o enfrentamento da pandemia de covid-19 na capital – trabalho reconhecido nacionalmente. Formada em Enfermagem pela PUC-PR, tem mestrado em Planejamento de Saúde pela Universidade de Londres (Inglaterra) e especialização em Saúde Pública pela Fiocruz. Elegeu-se deputada estadual em 2022 pelo PSD, sendo a mulher mais bem votada do estado e a mais votada (entre homens e mulheres) de Curitiba. Encontre a Márcia Huçulak nas redes: site
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