Tenho uma paixão íntima e pessoal por presídios. Não sei se foi o fato de ter sido assessora da Secretaria da Justiça do Paraná, ou em outra encarnação ter sido presidiária, mas o fato é que tenho fascínio por saber como vive uma pessoa confinada. Ou melhor, várias. Não em uma mansão, como é a casa do Big Brother, por exemplo, mas numa cela de seis metros quadrados, dividida por vinte pessoas. Um buraco no chão para as necessidades, duas horas de sol por dia para não mofar e a dignidade do lado de fora das grades.
Infelizmente, os presídios brasileiros, construídos para a ressocialização, na realidade, marginalizam a maioria dos apenados. Uma verdadeira escola do crime, com facções e grupos divididos, uma lógica de funcionamento tão complexa e única que, pelo que entendi no período em que trabalhei, estabelece regras próprias. E é daí que vem o meu fascínio. Entender como as relações se dão em contato tão íntimo e pessoal.
No período em que trabalhei na secretaria , passei por uma rebelião, a segunda em minha vida. Na primeira estava a trabalho pelo extinto jornal O Estado do Paraná e o negócio foi tão feio que chegaram a cortar o pescoço do diretor do presídio de Piraquara. No pós rebelião fui fazer o saldo do estrago e fiquei impressionada com a quantidade de armas improvisadas usadas. Lembro de atravessar uma galeria e ser informada para caminhar em linha reta, sem olhar para os lados. Claro que olhei. Um amontoado de homens sem camisa, fazendo gestos. Nem liguei. Nas costas mostrei o dedo do meio e só lembro da tiração de sarro da galera. Em tempo: o diretor não morreu.
Na segunda rebelião, também em Piraquara, eu já estava familiarizada com o sistema prisional, pois quando assumi a secretaria, fizemos um tour por todos os presídios do estado. Nela, o bicho pegou. Pegou de um jeito que o diretor não queria que eu fosse. Precisei me impor, pois o fato de ser mulher, pesou. Os caras já tinham matado dois e escreveram – com o sangue num lençol – Primeiro Comando da Capital.
Depois de seis dias, acompanhando o desfecho de dentro da sala da diretoria. O Gate foi chamado e iniciou-se a estratégia de rendimento. Como o sistema de fornecimento de água e energia dentro do presídio é planejado e independente, o sistema foi sendo desligado aos poucos, obrigando os rebeldes a se deslocarem. Um detalhe macabro foi que colocaram os mortos num freezer, que sem energia elétrica, dá para imaginar o que acontece.
Quando todos já estavam esgotados, os rebeldes aceitaram se entregar desde que fosse diante da imprensa, de preferência a Globo. Não teve como o diretor me segurar. Junto também estava um repórter da Band. O esquadrão tático orientou nossa entrada. Os policiais nos cercaram corpo a corpo. Fiquei no meio com quatro policiais de escudo. A ordem era, se mandar, se joga no chão. Foi tranquilo dentro do possível.
Feito o rendimento, vem os procedimentos, na minha opinião, humilhantes. Todos nus, de pernas abertas, encostados na parede. Fotografei a cena, que no dia seguinte estampou a capa dos principais jornais do país. E vocês vão me perdoar, mas não consegui achar nos meus arquivos e acho a imagem muito forte.
A origem do conceito de prisão como pena teve seu início em mosteiros no período da Idade Média. No Brasil, foi a partir do século XIX que se deu início ao surgimento de prisões com celas individuais e oficinas de trabalho, bem como arquitetura própria. A primeira prisão do Brasil foi a Casa de Correção do Rio de Janeiro, fundada em 1850.
Apesar de todo o fascínio, meu interesse no tema é apenas sociológico. Não tenho o menor interesse em passar um tempo aprisionada. Bastam os meus fantasmas, que já são suficientes.
Raquel Santana
Já foi jornalista, acha que é fotógrafa, mas nesses tempos de Covid-19 ela só quer sombra e água fresca no aconchego do seu lar. Vendo seriados, óbvio!
Foto: Acervo pessoal