Uma das lembranças mais antigas que tenho é a da família toda reunida na sala, depois de um dia de calor, vendo novela. Aos domingos, a programação mudava e entravam em cena os apresentadores Silvio Santos ou Chacrinha, dependendo da época. Na semana em que a televisão brasileira comemorou 70 anos, é impossível não associar nossa vida à telinha.
Para a geração smart, por exemplo, é difícil imaginar uma transmissão feita por tubos de raios catódicos, tecnologia empregada nos primeiros aparelhos que, em seus primórdios, transmitia imagens em preto e branco.
A tentativa de transmitir imagens através de um aparelho receptor tem início em 1920, quando o escocês John L. Baird usou os diversos princípios já desenvolvidos para esse tipo de tecnologia e montou um dos primeiros modelos de televisão que se tem notícia. E ao contrário das outras tentativas, ele conseguiu aprimorar bastante a nitidez da imagem e do som com o aparelho por ele produzido.
Em 1923, numa tentativa de aprimorar a tecnologia, o russo Wladmir Zworykin desenvolveu um tubo de imagem chamado de iconoscópio. Empolgada com tal realização, a empresa norte-americana RCA contratou os seus serviços e fabricou o Orticon. Nascia ali o primeiro modelo de televisor a ser produzido em escala industrial.
Em terras brasileiras, a televisão apareceu como uma grande novidade tecnológica na Feira Internacional de Amostras de 1939, no Rio de Janeiro. Quase dez anos depois, o operador de câmera Olavo Bastos Freire realizou a transmissão de uma partida de futebol empregando uma tecnologia improvisada. Dois anos mais tarde, o empresário Assis Chateaubriand inaugurou a Tupi, primeira transmissora de televisão comercial do país.
Mas foi na Globo, há 50 anos, que 41% dos televisores do país viu, ao vivo e em preto e branco, o homem pisar na lua. No mundo todo, foram 600 milhões de telespectadores. Eu tinha apenas 8 anos e a expectativa da transmissão foi tanta, que uma pequena multidão se amontoou para assistir.
Nossa casa era uma das poucas que tinha um aparelho de TV em 69, ano em que Neil Armstrong deixou suas pegadas na lua. Lembro do aparelho, que ocupava lugar de honra na sala, e da antena no telhado. Para ajudar na nitidez da imagem, naquela época, não havia antena interna sem um Bombril na ponta, uma de suas mil e uma utilidades. Um dia, meu irmão apareceu em casa com um papel celofane furta-cor, afixou na frente do aparelho e num passo de mágica, tínhamos uma televisão em cores.
Com a popularização da TV, vieram os ídolos e as propagandas. Ver novela a noite era um programa de gala. Final de temporada, então, exigia comida e bebida especiais, além das apostas para saber se a mocinha e o mocinho iam ficar juntos. As Copas do Mundo de Futebol também ganharam sua importância, assim como os telejornais. Era o início da globalização, que se consolidaria com o advento da internet.
Minha mãe era fã das telenovelas, dos programas de auditório e dos festivais de música. Compramos muito carnê do Baú da Felicidade, que posteriormente eram trocados por aparelhos de jantar Duralex, faqueiros ou o dinheiro (desinflacionado) de volta, dependendo da época e situação financeira. Passamos a lavar roupas com Omo e a comer industrializados.
Apesar de ser jornalista, nunca trabalhei na TV. Apareci algumas vezes, em coletivas. Não achava que tinha estampa para o veículo. Hoje tenho minhas dúvidas, acredito que muita coisa mudou, principalmente com a chegada da internet e os canais de streaming. Com eles, acho que o veículo perde um pouco de sua majestade. E cada vez mais acredito que a música “Televisão”, dos Titãs, lançada em 1985, que diz “que a televisão me deixou burro, muito burro demais”, faz sentido nos tempos em que vivemos.
Raquel Santana
Já foi jornalista, acha que é fotógrafa, mas nesses tempos de Covid-19 ela só quer sombra e água fresca no aconchego do seu lar. Vendo seriados, óbvio!
Foto: Tomasz Mikołajczyk por Pixabay