Por Cassiano Russo
Tenho dificuldade em escrever. Não é fácil transpor o sentimento para o papel, sobretudo quando se trata da composição de uma crônica. Se o objeto de meus textos fosse mais técnico, creio que seria menos difícil expor minhas razões. Escrevo, porém, crônicas que não possuem objeto específico, pois o limite da crônica é não haver limites. E esse meu ponto de vista me parece de suma importância: o escritor é livre em sua criação, isto é, escrever é pura indeterminação. O escritor não deve se limitar a teorias, visões políticas, ideologias, nada! Quem comete esse tipo de literatura não passa de militante, periodista, o que, na maioria das vezes, resulta no sufocamento da própria escrita. Eis o motivo pelo qual não abordo partes, pois a crônica não toma partido. Pelo contrário, o cronista deve enxergar o todo, para não cair naquele velho chavão de partidarizar-se para parecer inteligentinho – vejo muita gente gabaritada que se comporta dessa maneira na hora de escrever. Acontece que esse tipo de atitude não me parece correta, pois a crônica é livre para voar – não se pode criar crônicas em gaiolas, pois a crônica só vive quando criada solta – ela é um passarinho.
E isso se aplica à arte de escrever como um todo, porque quando escrevemos somos mais livres – pobres daqueles que não conhecem outra coisa senão a prisão, pobres foliculários em sua militância de cachorro adestrado – a existência deles é canil sujo, enquanto a do escritor é o mundo!
Por esse motivo, afirmo que por mais que o escritor – o verdadeiro escritor, aquele que sabe que escrever é libertar-se – tenha um determinado apreço por essa ou aquela visão política, time de futebol, ou religião, ele não há de demonstrar isso em seus escritos, porque tudo deve ser usado no quadro que ele pinta – sim, o escritor é como um pintor que dá cores à vida – ele torna a existência menos cinzenta!
E nesse quadro que o artista escritor pinta, a arte de escrever tem de abarcar tudo o que existe em suas nuanças, pormenores e, também, em sua grandiosidade, como a totalidade do mundo, que passa pela peneira das palavras de quem escreve. Por isso que é tão difícil escrever bem, porque não sabemos o alcance de um vocábulo, o efeito de uma frase na cabeça do leitor desconhecido, que vive lá longe, em seu próprio universo, que provavelmente é diferente do nosso…
Creio, no entanto, que algumas fagulhas da eternidade ficam na escrita, que o absoluto se faz de alguma maneira sentir tanto no que o escritor elabora quanto no que o leitor lê. E não importa quem seja esse leitor, desde que ele leia e sinta com o escritor aquilo que se transborda em palavras, desde que o canto dos passarinhos ecoe pelo globo como melodia universal que una os homens.
Daí o papel harmonizador da escrita – seja ela crônica, conto, novela, romance, não importa! – porque as palavras dominam o homem. E se há quem escreva para criar cisão – os foliculários! – também existem os escritores que pensam na união, como pássaros em revoada numa tarde de primavera – a esses a palavra escritor é merecida, por escreverem como sabiás.
E a crônica é um sabiá.