Hoje, dia dos pais, não quero falar do meu, do seu, mas de uma figura que provavelmente representa todos os pais católicos, o Papa. Em grego, “papa” significa pai. Tive a honra e a felicidade de ver o Papa Francisco quando ainda era arcebispo, em Buenos Aires, em 2012 e já santificado, no ano seguinte, em 2013, em Aparecida, SP.
O primeiro encontro foi por acaso, já o segundo foi programado. E foi uma aventura do início ao fim. Nessa vida de repórter, é preciso uma dose de ousadia e muita, mas muita cara de pau. Burlei segurança, blefei, entrei sem ser convidada e voltei encharcada de chuva e felicidade. O Papa Francisco é pop. O Papa é fofo. Queria colocá-lo num potinho e trazer para casa.
Vou começar por Buenos Aires, capital da Argentina que adoramos visitar. E sem rivalidades, lá é muito bom. Um pouco antes de Jorge Mario Bergoglio ser eleito, fomos – eu e minha filha – em férias para a capital Portenha. Em um dos inúmeros passeios que a cidade oferece, entramos na Catedral Metropolitana e lá estava o então arcebispo, rezando uma missa.
Tinha pouca gente no lugar e a missa estava no fim. Ficamos impressionadas com a história e construção da basílica, local onde está enterrado o herói nacional José de San Martin, líder da revolução que separou a Argentina da Espanha. A igreja foi construída durante vários séculos. Fica no coração da cidade, na Praça de Maio, ao lado da Casa Rosada. É um marco arquitetônico da capital portenha. Chegamos no final da missa e jamais imaginaríamos que aquele homem simpático se tornaria a autoridade máxima da igreja católica.
Menos de um ano depois, em julho de 2013, já investido, Bergoglio, agora Francisco, veio ao Brasil em sua primeira viagem internacional. Naquela época morava em Araraquara, no interior de São Paulo e trabalhava no principal jornal local. O jornal, que hoje não existe mais, pertencia ao grupo EPTV, que mantinha outro jornal, em Ribeirão Preto. Dependendo do assunto, o material era publicado nos dois veículos. Quando percebi que havia uma articulação para a cobertura da visita do Papa, me escalei.
Credenciei a equipe, articulei hospedagem, enfim, tudo o que era preciso burocraticamente para fazer esse tipo de conteúdo,cuja segurança é milimetricamente calculada. E na hora H de viajar, o que aconteceu? Queriam mandar uma equipe de Ribeirão. Só que havia passado o prazo de credenciamento e advinha? O mundo é dos organizados. Não tiveram opção, lá fomos eu, mais motorista e fotógrafa.
A aventura começou já na estrada, com as dezenas de romeiros que encontramos pelo caminho indo a pé para Aparecida. Na véspera da visita, que aconteceu no dia 25, a cidade já estava lotada de fiéis. Sai com a missão de entrevistar personagens das duas cidades, para justificar a reportagem. Só que choveu muito e a cidade estava tão cheia, que o serviço de telefonia celular estava um caos. Como achar aquelas pessoas no meio daquela multidão? As de Araraquara eu achei, mas as de Ribeirão estou procurando até hoje. Como tenho mais sorte do que juízo – e muita cara dura – fui na grade que separava a imprensa da multidão e comecei a gritar por quem era de Ribeirão. E achei!
Aliás, a estrutura que cerca esse tipo de evento é digna de roteiro de filme. Primeiro tinha prazo para o credenciamento. Toda a equipe teve que enviar cópia de documentos, incluindo placas do carro. O Santuário de Aparecida foi dividido em zonas de circulação e, dependendo do lugar, a pulseira do credenciamento tinha uma cor. Então, só era permitido circular naquela zona. Acontece que choveu naquele 25 de julho. Torrencialmente. Minha colega, com medo de molhar o equipamento, preferiu se instalar num lugar seguro e por onde o Papamóvel passaria. Eu tinha a missão de achar meus entrevistados. Comprei uma capa de chuva e, sem medo de molhar meu equipamento, fui a luta.
Primeiro encontrei uma brecha nos tapumes que davam acesso ao local em que o Papa rezaria a missa para uma multidão e entrei. Depois encontrei uma amiga fotógrafa e juntas, acabamos de burlar toda a segurança papal. Começou com a história das mochilas. Para não molhar o equipamento, deixamos nossas bolsas debaixo de uma espécie de varanda elevada, local em que Francisco rezaria para a multidão. A gente não tinha a menor ideia que seria lá. Colocamos a bolsa e fomos para a grade. Lembrem, eu precisava achar os personagens. Fomos alertadas por um policial que, caso deixássemos as mochilas sozinhas, elas poderiam ser confundidas com uma tentativa de atentado e seriam explodidas, igual nos filmes e atentados. Pegamos rapidinho.
Depois de quase sermos confundidas com terroristas, invadimos a estrutura montada por um canal de TV a cabo. Na cara dura, entramos, tomamos um café quente, até alguém perguntar se tínhamos credenciais para o lugar. Foi nessa altura que o Papa chegou e, de camarote, do alto da estrutura, filmamos e fotografamos a sua chegada. Que figura carismática! Foi uma comoção coletiva.
No final, consegui achar todos os personagens que procurava para a minha reportagem, vi e documentei o Papa Francisco de perto, e realizei uma das melhores reportagens da minha vida. Como consegui chegar muito perto, minhas fotos também foram publicadas, inclusive na capa dos dois jornais.
Voltei de Aparecida com dezenas de terços que comprei, o Papa benzeu e presenteei pessoas queridas. Vi e senti a figura carismática que é Francisco, na época ainda iniciando seu papado. Ouvi histórias de fé e superação. Não tem como passar por uma experiência dessas sem se sentir abençoada.
Raquel Santana
Já foi jornalista, acha que é fotógrafa, mas nesses tempos de Covid-19 ela só quer sombra e água fresca no aconchego do seu lar. Vendo seriados, óbvio!
Fotos: Acervo pessoal