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First Cow, faroeste sem duelo

Dizia minha avó, agosto é o mês do desgosto, e está sendo, pelo menos para os lançamentos de filmes até agora. O que resta nesta quarentena que parece não ter fim é torcer para lançamentos menos infanto-juvenis.

Então vamos voltar lá para março deste ano, no lançamento de First Cow, dirigido e roteirizado por Kelly Reichardt (Certas Mulheres – 2016). Nesta obra de arte, a diretora consegue discutir com delicadeza e profundidade os embates entre o homem e a natureza, entre o homem e sua natureza.

Neste faroeste sem duelos para ver quem saca mais rápido sua arma, não existe mocinho e bandido, todos carregam um pouco de cada em sua natureza. O único e grande duelo é travado dentro do homem com sua índole, numa batalha sangrenta entre o selvagem e o sensível, entre sobreviver ou amar. Dois gêneros cinematográficos, western e cinema independente, num único filme.

John Magaro (The Umbrella Academy – 2019) incorpora o personagem “Cookie” Figowitz, um cozinheiro que trabalha viajando com um grupo de comerciantes de peles de castor no Oregon, no início do século XIX. Até que surge em sua vida o personagem King-Lu, interpretado por Orion Lee (Star Wars, Os Últimos Jedi – 2017). Juntos, irão viver uma aventura até a morte.

O nome do filme não está errado, é isto mesmo, A Primeira Vaca. E tão singelo quanto seu nome, é seu roteiro. Toda a noite Cookie e King-Lu roubam leite do vizinho pra fazer bolinhos e vender na feira, só isso. Então aproveite que a história não tem reviravoltas mirabolantes e efeitos especiais que cegam e mergulhe no interior de cada personagem, ali dentro as histórias paralelas são riquíssimas.

Os planos visuais são abertos, o que proporciona também uma dualidade, vastidão e afastamento que isola, e nesta dualidade as relações são construídas com pouquíssimas palavras. Reichardt deixa claro logo nas primeiras cenas que o filme é um exercício de contemplação do cotidiano, tanto das imagens belíssimas e saturadas do diretor de fotografia Christopher Blauvelt (Low Down – 2014) quanto na contemplação da relação dos personagens. O território onde vivem, a mata selvagem, as cabanas precárias, a sujeira, a lama, remetem ao interior de todos que ali habitam.

Do começo ao fim, o filme é um ciclo que se encerra com grande beleza no ponto onde tudo começou. Faroeste nota 10.

Marcelo Minka

Graduado em licenciatura em Artes Visuais, especialista em Mídias Interativas e mestre em Comunicação com concentração em Comunicação Visual. Atua como docente em disciplinas de Artes Visuais, Semiótica Visual, Antropologia Visual e Estética Visual. Cinéfilo nas horas vagas.

Foto: Divulgação

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