Raquel Santana (*)
Fernanda Montenegro é uma unanimidade nacional, disso não há dúvidas . Dama do teatro e da televisão, a atriz foi se apresentar em Londrina em 1986, no Ouro Verde. O espetáculo era Fedra, dirigido por Augusto Boal e trazia no elenco, além de Fernanda, seu marido, Fernando Torres e nada mais, nada menos do que Edson Celulari. Estavam todos no auge da popularidade, pois a Globo estava com a novela Cambalacho, sucesso total no horário das sete na época e que cravou a expressão no vocabulário popular. E os dois estavam no elenco.
Trabalhava em um jornal na época, o extinto Paraná Norte. Da redação ali no centro, das paredes de vidro, vi o Celulari na banca da esquina. Meu editor pediu pra colar nele e ver se rendia alguma pauta. Lá fui eu e minha cara de pau abordar o ator, ainda mais lindo e gente fina pessoalmente. Já era umas duas da tarde e ele e o ator Lineu Dias estavam procurando um lugar para comer. Já que era pra colar naquela belezura, resolvi acompanhá-los ao Kiberama, único lugar que provavelmente teria comida naquela hora no centro.
Comemos no balcão, como quaisquer mortais, mesmo tendo como companhia um Deus da beleza, pelo menos naquela época. Mas o melhor ainda estava por vir. Fernanda foi a Londrina bem na época das Diretas-Já. E sua passagem coincidiu com a discussão da Constituinte. O país estava em fervorosa, e os artistas se posicionando politicamente. Ela foi dar uma palestra na Uel, no Ceca. O fotógrafo Milton Dória a fotografou subindo as escadas, elegante como sempre. No outro dia a contracapa do jornal mancheteava: “Uma dama para a constituinte”.
A empresária Verrinha Walflor me contou depois que ela gostou tanto da reportagem, que mandou comprar várias edições. Cobri a palestra na universidade e de bônus ganhei uma das melhores histórias que já vivi. Engajada que estava, Fernanda pediu à Verrinha se “a jornalista simpática” (euzinha), a poderia levar conhecer o Cinco Conjuntos. Meu Deus! Ela queria conhecer a realidade do – na época – maior conjunto residencial de Londrina.
Eu, moradora de república, foca no jornal, levar a maior artista brasileira para um passeio. Isso merecia uma limusine. Não, lá fomos nós de Fiat 147, novamente. No banco de trás, exprimidos, Fernanda Montenegro e Fernando Torres. Na época ele já se locomovia com dificuldades. Mas foi de boas no carro do meu amigo Maurício, que cheirava a novo.
Rodamos um bom tempo pelo bairro, ela muito interessada em tudo o que via. Perto das 14 horas, Fernando já com a perna doendo, o casal pede que quer almoçar. A gente, querendo impressionar, resolveu levá-los ao restaurante do Lago Igapó, um japonês que não sei se ainda existe. Chegando lá, o lugar estava fechando. Desci do carro e pedi para falar com o gerente. “Olha, estou com a Fernanda Montenegro e o Fernando Torres com fome no carro. Tem como servi-los?”.
De imediato as portas foram abertas e a mesa colocada. Eu e meu amigo ficamos do lado de fora, respeitamos a privacidade do casal. Todo o staff do restaurante fez o mesmo. Ao terminarem – e fazerem questão de pagar a conta – eles pediram para cumprimentar os funcionários. Foi uma das cenas mais lindas que já vi. Todos enfileirados, sendo abraçados e ganhando autógrafo da artista. Um por um. Ninguém é grande por acaso.
(*) Jornalista radicada em Curitiba mas apaixonada por Londrina.
Foto: Fernanda Montenegro em cena da novela Cambalacho (print Rede Globo)