Histórias de superação sempre rendem boas reportagens. Em busca de fazer diferente, como jornalista, aproveitava as datas especiais para falar sobre a importância de determinados assuntos. Doação de órgãos, assunto em pauta na semana que passou, ou mesmo a chegada de um novo ano, davam a deixa para contar histórias de superação e, assim, sensibilizar o leitor para questões relevantes.
Sobre o primeiro assunto, doação e transplante de órgãos são assuntos pelo qual tenho especial apreço. Não existe nada mais lindo do que saber que vidas podem ser salvas depois que uma pessoa se vai. No meio de tanta dor, dar esperança de vida para uma ou mais pessoas (pode beneficiar até nove pessoas) equivale a renascer no outro. Vi isso no olhar de quem doou (em vida) e de quem recebeu. A dificuldade para encontrar um doador passa por inúmeras barreiras. Fila de espera quando cada dia conta, falta de doadores e o preconceito que cerca o tema. Por isso a importância de deixar clara a intenção para amigos e familiares. Eu sou!
Mas a pandemia não tem sido generosa com quem está na fila. Medo de contaminação dentro dos hospitais é um dos motivos. E os números não mentem. De acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), a taxa de doadores efetivos caiu 6,5% em comparação com o primeiro semestre do ano passado.
No Brasil se realiza vários tipos de transplantes, como coração, fígado, pâncreas, rim, pulmão, córnea e medula óssea. Em junho deste ano, 40.740 pacientes estavam na lista de espera por um órgão. A maior espera é para o transplante renal. São mais de 26 mil pessoas aguardando um rim. Em seguida, a córnea, com mais de 12 mil pacientes na fila.
Em uma das reportagens que fiz sobre transplante, duas histórias me marcaram profundamente. A primeira foi a de um senhor, que recebeu um coração. Depois de anos de luta e já sem forças para trabalhar, numa madrugada foi acordado com a notícia de que havia um órgão compatível com o dele. Saiu às pressas, chegou ao hospital e segundo seu relato, ao entrar no corredor vazio na madrugada hospitalar, era como se caminhasse em direção a um renascimento. E foi. O transplante cardíaco é um dos que tem menor índice de rejeição. Saiu do hospital novinho em folha, tirou de letra o risco de rejeição e voltou à normalidade depois de um longo período de isolamento. Isso tudo graças ao avanço da medicina.
O primeiro transplante coronário foi realizado pelo medico Christian Barnard, um cirurgião sul-africano, em 1967. Com uma equipe de 20 cirurgiões, substituiu o coração de Louis Washkansky, pelo de uma vítima de acidente. O paciente morreu 18 dias depois de uma infecção pulmonar. Foi preciso mais alguns anos e tentativas, até aperfeiçoar a técnica.
Um ano depois, no Brasil, o médico Euryclides de Jesus Zerbini foi o primeiro médico a realizar um transplante, no Hospital das Clínicas, em São Paulo, sendo o primeiro da América Latina e o quinto do mundo.
Outro transplante que é sucesso e também um dos mais realizados, é o de rim. A história que exemplifiquei foi a de um motorista, que vejam só que sorte do destino, tinha um irmão gêmeo. Passou muitos anos dependente da hemodiálise, um processo que “filtra” o sangue através de uma máquina. Passava pelo procedimento três vezes por semana. É incômodo e ao longo do tempo cansa e pode não fazer efeito desejado. O motorista chegou nesse ponto. E a solução estava em casa. Como era gêmeo idêntico, passou tranquilo pelo transplante, sem rejeição.
Mas a história de superação mais impressionantes que ouvi e contei, não tem a ver com transplante, mas com um daqueles casos relatados em seriados no estilo “House”.
Uma vendedora de caldo-de-cana transitava tranquilamente por uma rua no interior de São Paulo com sua Kombi, quando de repente o caminhão de uma loja de materiais para construção que ia à sua frente, freou bruscamente. Ela não conseguiu parar e o ferro que o caminhão transportava, atravessou o vidro, o banco e ela!
Bombeiros, Polícia, Siate e quem mais pudesse ser acionado, foi ajudar. E havia um impasse. Se o ferro fosse removido, ela teria uma hemorragia fatal. A solução? Levar paciente, banco e ferro, todos juntos, para a sala de cirurgia. Operação de guerra. Não sei como a mulher sobreviveu para me contar a história. Ela contou que o tempo todo só conseguia olhar para o terço pendurado no espelho retrovisor e para a foto dos filhos, no painel, e rezar. Perdeu um pedaço do estômago, e ficou sem maiores sequelas.
A lição de todos esses relatos? Seja através de um transplante, ou pela sobrevivência em um acidente, para quem vive histórias de superação, viver é, de fato, um milagre.
Raquel Santana
Já foi jornalista, acha que é fotógrafa, mas nesses tempos de Covid-19 ela só quer sombra e água fresca no aconchego do seu lar. Vendo seriados, óbvio!