Meus encontros com vulcões e suas revelações

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Por André Luiz Lima

Na arte dos encontros, sou movido pelas mensagens com significados profundos, muitas vezes ocultas nos detalhes e nas sutilezas de cada experiência. Às vezes, essas mensagens estão claras, esperando para serem decifradas.

 As mãos que se levantam agora para serem contadas são as minhas, de quando era um menino que  brincava na terra, subia em árvores e sempre com os chinelos encardidos pela terra vermelha do norte do Paraná. Essas mãos se unem a muitas outras, lembrando-nos da fragilidade e dos desafios que enfrentamos, assim como a própria natureza nos impõe. 

 Sempre começo com  um fio de meada para conectar as histórias e as sincronicidades. Vulcões sempre me fascinaram e com o tempo, vivi algumas experiências significativas com esses gigantes da natureza, cuja exuberância ativa e pulsante me lembrava da minha própria fragilidade diante de sua força, reforçando a necessidade de uma conexão respeitosa com o mundo natural.

Minhas primeiras lembranças surgem da infância ao abrir um livro, deparei-me com uma foto impactante de uma terra em chamas – a explosão do Vesúvio. Aquela imagem ficou gravada na minha memória. Na adolescência, meu interesse por vulcões se aprofundou ao ler um livro sobre Pompeia, a cidade soterrada pela erupção do Vesúvio.

Foi então que pensei: “Espera lá, tem algo aqui.” Pompeia, uma antiga cidade romana perto de Nápoles, foi completamente soterrada pela erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C. A erupção foi tão violenta que, em poucas horas, cinzas, pedras e gases tóxicos enterraram a cidade, preservando-a por séculos. As escavações iniciadas no século XVIII revelaram uma cidade praticamente congelada no tempo, proporcionando uma visão detalhada da vida cotidiana romana. Os corpos dos habitantes foram encontrados em posições de fuga e desespero, moldados nas cinzas – uma lembrança vívida da fragilidade da vida e do poder implacável da natureza.

Um certo dia, estava com as malas prontas para ir a Milão quando Pompeia me deu um sinal. Cheguei no aeroporto de Malpensa e me lembrei disso novamente. Mesmo sabendo que Pompeia estava na Itália, para mim parecia algo muito distante.

Eu estava hospedado na casa da minha amiga Carola, e do nada ela me convidou para ir a Ischia, uma ilha no sul da Itália, visitar uns amigos e irmos até Nápoles para pegarmos  o ferry boat para atravessar. Nesse momento, sua irmã se virou e disse: “Se vão a Nápoles, por que não dão uma passada em Pompeia para você conhecer?”

Como não acreditar em milagres? Fiquei perplexo. Não é que o mágico existe mesmo? Que o que pensamos se manifesta, ou que somos guiados… Enfim, muitas coisas passavam pela minha mente. Sem pestanejar, respondi: “Vamos à Pompeia.”

Confesso que estava feliz e ansioso no dia da partida, como se fosse encontrar algo importante para mim. Eu estava na Suíça Italiana. Saímos pela manhã; era verão, um dia lindo, com paisagens impressionantes. Entramos na Itália, e eu me sentia como em um filme, colhendo pistas ou deixando a vida me levar para meu próximo aprendizado, como um manual de destino certo.

Vulcões e o Renascimento

Passamos por várias cidades, e uma que ficou nas doces lembranças foi Florença. Durante o Renascimento, Florença foi um centro cultural e artístico de enorme importância. Artistas como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Botticelli, além de pensadores como Maquiavel, nasceram ou trabalharam na cidade. O Renascimento representou a volta do interesse pela cultura clássica greco-romana, pela ciência e pela arte, moldando profundamente a sociedade ocidental. Assim como os vulcões moldam a terra, o Renascimento moldou a cultura, trazendo à tona o potencial humano e a beleza do conhecimento.

O que os deuses queriam me mostrar? Continuamos. Chegamos em Roma no início da noite e ainda tínhamos um bom caminho até Nápoles. Decidimos continuar direto, sem paradas.

Chegamos em Nápoles à noite, e eu procurava o Vesúvio. Embora não pudesse vê-lo devido à escuridão, sentia sua presença – uma sensação de prazer e mistério pelo que estava por vir.

Minha amiga Carola, sendo suíça, navegava pelo trânsito caótico de Nápoles como se estivesse em um videogame. Finalmente, chegamos ao porto e pegamos o ferry boat rumo a Ischia, a ilha verde.

Ischia é uma ilha vulcânica no Golfo de Nápoles, conhecida por suas águas termais e belezas naturais. Habitantes desde os tempos antigos, a ilha tem uma rica história que remonta aos etruscos, um dos povos mais influentes da Itália antiga. Os etruscos eram conhecidos por suas habilidades na metalurgia, arte e arquitetura. A presença etrusca em Ischia e na região ao redor é evidente nas ruínas e artefatos encontrados, mostrando uma civilização avançada e profundamente conectada com a natureza.

Era tudo muito incrível, uma mistura de mistérios sem saber se estava dirigindo o roteiro ou se era apenas uma peça dentro dessa engrenagem. Continuamos. Depois que o navio partiu, fui até o deck para acompanhar o rastro deixado no mar. A paisagem se expandia, o som do navio e das águas, a cidade se distanciando. Eu tentava ver o Vesúvio ou, pelo menos, me localizar em mim mesmo.

A lua cheia estava lá fora, e lembro-me da reflexão daquele momento: “O melhor lugar do mundo é aqui.” Na minha imaturidade, eu não conseguia estar totalmente presente, pois trazia pessoas em meus pensamentos para estarem comigo. A reflexão é que o melhor lugar do mundo é aqui e agora, como na música de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mas essa reflexão fica para nosso próximo encontro.

Chegamos em Ischia muito tarde. Fomos para a casa de amigos que nos esperavam com um bom vinho e uma deliciosa pasta. Boa conversa e, como sempre, a lua cheia me acompanhava, cuidando e iluminando, quase como carícias de mãe.

Falando ainda sobre Ischia… Como é uma ilha vulcânica, pude relaxar nas águas termais vulcânicas que se encontram com o mar. Percebi a presença dos etruscos e senti que estava tão perto de Pompeia.

Até que chegou o dia de voltarmos, rumo a Roma, passando por Pompeia. Já podia ver o Vesúvio desde o retorno no navio. Pegamos o carro no porto e, pouco tempo depois, já estávamos em Pompeia.

Na imagem que vi quando criança, no livro da adolescência, no passado, que era o meu agora. Que sensação incrível, uma mistura de poder e magia, e a aceitação do que estava por vir. Todo meu processo em Pompeia foi como se estivesse em várias dimensões do tempo. A todo momento, voltando à história, eu olhava o vulcão e imaginava o dia da erupção e a força da natureza, que é bem maior que nós. Podemos prevenir, mas não subjugar.

Nesse momento de introspecção, foi como se o mundo se abrisse acima de mim e fosse sendo dividido: primeiro o planeta, depois as Américas, depois o sul, depois o Brasil, até chegar na minha cidade, casa e família. Como em uma espiral, tudo se tornava tão pequeno, e aquele momento me levou a mim mesmo, fazendo parte dessa natureza.

Vulcões e nosso corpo

E como outros vulcões me acompanharam na minha história pessoal, faço agora a analogia: imagine que nosso corpo é como um vulcão. Dentro de um vulcão, há uma câmara cheia de magma, que é como o nosso coração, cheio de emoções. O magma, assim como nosso sangue, se move através de condutos, que são como nossas veias e artérias.

Quando a pressão no vulcão aumenta muito, ele entra em erupção, liberando lava e gases. Da mesma forma, quando acumulamos estresse e emoções, podemos ter uma explosão emocional, como chorar ou gritar.

Antes de uma erupção, o vulcão dá sinais como tremores e pequenas erupções. Nosso corpo também dá sinais quando estamos sob estresse, como ansiedade e irritabilidade.

Após uma erupção, o vulcão precisa de tempo para descansar e a natureza ao redor se recupera, com a lava enriquecendo o solo. Nós também precisamos de tempo para relaxar e nos recuperar depois de liberar nossas emoções, o que nos ajuda a crescer e nos fortalecer.

Essa analogia nos lembra do poder da natureza e da importância de estarmos atentos. Precisamos ter um olhar realista e reverente sobre o poder da natureza, reconhecendo sua capacidade de moldar nossa existência e o mundo ao nosso redor, pois a todo momento ela está nos dizendo algo.

Depois de todo esse processo, já estava pronto para voltar.

Fomos a Roma e de lá para Città di Castello ver o ateliê do artista plástico Alberto Burri,  Na saída da cidade, tive uma revelação: “Volta para casa, André, rumo ao sul. A Europa está velha.”

Quinze dias depois, já estava de volta a casa, desvendando esses mistérios. E, assim como o vulcão, o pequeno pé, de chinelos, encardido pela terra fértil, ainda pulsa e, para não perder a poesia, ‘O melhor lugar do mundo é aqui e agora.’

A Arte dos Encontros.

Fotos: Pexels

André Luiz Lima

Londrinense, ator, diretor, professor, palestrante e produtor cultural. Siga os Instagrans de André@allconnecting @aondevaiandre

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