Por Renato Munhoz
O curta metragem “Ilha das Flores”, dirigido por Jorge Furtado, de 1989, conta a história de um criador de porcos que nesta ilha compra restos de comida para dar aos animais. A saga é que dezenas de famílias disputam comida com os porcos. O filme mostra com riqueza de detalhes o caminho dos resíduos que geramos. No caso especifico, do tomate do plantio ao descarte na Ilha das Flores.
O filme não é ficção, é a mais triste realidade, retratada em um período histórico do Brasil, que por vezes parecia estar superado. Mas os últimos noticiários dão conta de que esta é uma realidade longe de um finalmente. A maioria dos municípios brasileiros não aplicou a legislação da Politica Nacional de Resíduos Sólidos, que determinou o fim dos lixões até 2014. Ainda nos deparamos com urubus e outros animais disputando espaço nestes locais, que historicamente carregam a marca da degradação humana e ambiental.
Não bastasse toda degradação ambiental gerada pela forma incorreta de tratamento de resíduos, gerando gases nocivos para os seres humanos, atacando os lençóis subterrâneos de água, promovendo muitas vezes a contaminação irreversível do solo. No meio deste descarte, encontram-se dezenas e por vezes centenas de pessoas que tentam retirar dali seu sustento ou alimento.
Quando a Lei Nacional de Resíduos Sólidos surgiu, em 2010, apontou obviamente a problemática das formas incorretas de tratamento de resíduos no Brasil. Mas conseguiu nos mostrar que por detrás de todo ataque ao Meio Ambiente, havia uma mazela social de décadas, de gerações inteiras de famílias que se confundiam ao amontoado dos lixões. Como resultado, em muitos lugares do Brasil, estas famílias foram realojadas dentro de Cooperativas de Reciclagem, recebendo de volta a cidadania e a esperança de dias melhores. Ainda hoje é possível encontrar exemplos deste caminho. Em Londrina, a COOPER REGIÃO e, em Apucarana, a COCAP, são dois modelos que além de fazerem do cooperativismo um caminho para a superação destas tristes realidades, apontam para um caminho que dá certo, mas que muitas vezes sofre por falta de apoio público e pela ausência de uma política de Educação Ambiental mais efetiva.
Cerca de 2% de tudo que é coletado no Brasil é reciclado, segundo dados de 2019 do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento). Outro dado alarmante é de que menos de 42% da população tem acesso a coleta seletiva. Não bastasse tudo isso, houve uma diminuição significativa dos recursos federais para as politicas públicas de gestão de resíduos. Segundo o Plano Nacional de Resíduos Sólidos de 2019, o governo federal deveria investir até 2023, 2,3 bilhões de reais, mas que houve na verdade foi uma diminuição de mais 87% dos recursos a serem investidos.
No Paraná, segundo dados do Observatório dos Lixões, há ainda 98 municípios se utilizam de forma irregular para o tratamento de seus resíduos. Vários municípios deram passos significativos em relação a aterro controlado e a coleta seletiva. Mas ainda há muito que se fazer.
O fim dos lixões aponta para um modelo de sociedade que além de tratar bem o Meio Ambiente, supera as marcas das mazelas que estão presentes nestes locais. Acreditamos que muito em breve estas histórias estejam apenas no imaginário e na lembrança de um passado triste.
A maior prova de que somos parte integrante desta mesma casa ecológica é de que todo bem causado a ela nos afeta diretamente. Façamos um pouco hoje, para que não sobre muito para o amanhã. E como nos ensinou o sábio: “Saber e não fazer, é não saber”.
Filme Ilha das Flores:

Renato Munhoz
Professor, teólogo historiador. Especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade. Coordenador de Projetos do COPATI (Consórcio para Proteção Ambiental do Rio Tibagi).
Foto: COCAP/Arquivo pessoal