Conheça a história do jogo que carrega o injusto título de pior videogame de todos os tempos e a culpa de quebrar toda a indústria de videogames em 1983
Em tempos de Halloween, todo mundo gosta de histórias assustadoras e de terror. E para quem gosta de videogames, nada é tão aterrador quanto a história por trás do jogo “E.T.” lançado para o Atari 2600 no final de 1982. Não pelo simpático extraterrestre com dedo brilhante que vivia dizendo “ET, telefone, minha casa” durante o longa-metragem. Mas sim pelo que o fracasso do jogo representou para toda a indústria dos consoles de jogos eletrônicos. Já conhece a história? Vamos relembrá-la. Nunca ouviu falar do aterro de Alamogordo? Embarque comigo nessa viagem no tempo…
Julho de 1982.
A Atari tinha experimentado um sucesso meteórico desde o lançamento das máquinas de Pong, aquele “tênis” eletrônico que inaugurou a indústria dos árcades. Sucesso mesmo, já que a primeira máquina foi colocada em um bar, e uma semana depois parou de funcionar. O motivo? Ela não aceitava mais moedas, porque estava literalmente entupida e não cabia mais nenhuma.

Naquele mês, a Atari tinha comprado os direitos de adaptação do mais novo sucesso de Steven Spielberg para os games: o filme “E.T.”. O valor? Obscenos US$ 21 milhões (mais ou menos US$ 56 milhões em valores atualizados). Até aí, tudo bem. Uma grande empresa de tecnologia se une a um gigante diretor de cinema para lançar um jogo baseado num blockbuster, não tinha como dar errado, não é mesmo?
A menos que você dê ao desenvolvedor um prazo curto. Muito curto. Para que o jogo alcançasse as prateleiras a tempo para o Natal, precisava ficar pronto até setembro. A empresa então escolheu um programador que já tinha mostrado seu valor com jogos de sucesso como Yar’s Revenge: Howard Scott Wasrshaw. Para ter esse sucesso, Warshaw desenvolvia um jogo em seis, oito meses. A Atari deu a ele cinco semanas.

Spielberg e Warshaw
Spielberg queria algo como uma nova versão de Pac-Man. Warshaw apresentou uma novidade, mais de acordo com o filme. O jogador controlaria o E.T. em busca dos pedaços do telefone interplanetário que o faria ligar para casa, chamar a nave e sair ileso da Terra. Isso tudo tendo que escapar dos cientistas e agentes do governo.
A pressão era enorme. Além do tempo curto, os resultados financeiros da Atari não eram os melhores. O jogo precisava ser um sucesso, já que a empresa continuava perdendo espaço para os computadores pessoais, como o Commodore 64 – que tinha mais e melhores opções de jogos.

O programador teve que montar uma estação de trabalho em casa, o que garantia atenção full time ao projeto. Full time, nesse caso, é o tempo todo MESMO. Quando não estava trabalhando no projeto, Warshaw tinha – segundo entrevistas concedidas pelo próprio programador – “no máximo dois minutos fora da missão”. Um gerente foi escalado só para garantir que o programador estivesse se alimentando durante o processo de criação do jogo.

Enfim, E.T. ganhou vida dentro dos cartuchos da Atari. E aí vem o segundo grande erro dessa história: a empresa superestimou a capacidade de venda do jogo. E o erro foi grande, viu? Havia, na época, um número estimado de 12 milhões de consoles compatíveis com o sistema Atari 2600 em todos os Estados Unidos. Daí a empresa vai e se prepara para fabricar 20 milhões de cartuchos. VINTE MILHÕES DE CARTUCHOS! Eles realmente esperavam que cerca de 8 milhões de pessoas comprariam um videogame novo só por conta do jogo do E.T. E tome propaganda, numa campanha de US$ 5 milhões – a maior da indústria dos games até então!

Só que o jogo não entregou o prometido. Um problema no sistema de colisões (básico em qualquer jogo, define quando uma coisa encosta ou atinge outra) fazia com que o extraterrestre ficasse caindo em buracos o tempo todo. Usando a máxima “não é um defeito, é uma característica” o manual ensina que cair nos buracos pode ser uma atitude defensiva contra humanos ameaçadores ou mesmo uma forma de “pausar” o jogo.
As vendas, diferente das expectativas, foram decepcionantes. A meta inicial para os feriados de fim de ano era de 4 milhões de cartuchos vendidos; na prática, os números não chegaram nem à metade. A Atari, que à época pertencia à gigante Warner Communications, viu seus números praticamente derreterem na bolsa de valores. Os fracos resultados influenciaram praticamente todas as outras desenvolvedoras de jogos, e o início do fim de uma era estava próximo.
Quem tinha comprado o jogo e não gostou devolveu o cartucho para as lojas. As lojas, por sua vez, devolveram os cartuchos para a Atari. Eram milhões de unidades que haviam sido fabricadas e rejeitadas pelos jogadores. Fazer o que com todo esse lixo? A resposta “óbvia” de alguém em alguma reunião interna da Atari foi essa: enterrar tudo num lixão e deixar isso para trás.
Por si só a ideia é tão absurda que por muitos anos foi tratada como uma lenda urbana. Era muito ridícula para ser verdade. Uma empresa, a maior de toda uma indústria, toma um prejuízo tão grande que a única saída é enterrar as provas do fracasso e seguir em frente. Só que não tinha mais caminho à frente para seguir. Um ano depois do acordo entre a Atari e Spielberg, a companhia foi vendida e definhou, levando consigo sonhos e a ilusão de que um dia as pessoas se interessariam por videogames novamente.
…
30 anos se passaram para que a verdade viesse literalmente à tona. Em abril de 2014, uma produtora resolveu fazer um documentário sobre a história de Warshaw, e entre os objetivos estava encontrar o local do enterro, na cidade de Alamogordo, no estado do Novo México.
A prefeitura autorizou o início dos trabalhos, mas ninguém sabia ao certo o local onde os cartuchos teriam sido supostamente enterrados. Muitas escavações foram feitas, mas nada era encontrado. Então, como nos melhores roteiros de filmes de aventura, no último dia permitido pelas autoridades, as escavadeiras finalmente chegaram ao local certo. O resultado do documentário e as reações, tanto de Warshaw quanto do público que se reuniu ao redor do local de trabalho, você confere aqui:
O final foi feliz, até certo ponto. Por causa de sua importância na quebra das empresas de videogame de 1983, E.T. ganhou o injusto título de pior jogo de todos os tempos – apesar de algumas das cópias desenterradas terem sido vendidas a mais de CEM MIL DÓLARES.Três fatores a serem considerados aqui.
Primeiro: o jogo era inovador pra caramba, e tinha características que só se tornaram padrão muito tempo depois. Ele foi o primeiro a ter uma tela de apresentação com uma imagem bastante fiel do protagonista. E.T. era um jogo em mundo aberto (dentro das limitações do Atari). Ele tinha side quests, como a possibilidade de coletar os pedaços de doce e entregar para o menino Elliot, o que garantia pontos extras ao final. Ele tinha vários easter eggs. Era um jogo de Atari que tinha um final!

Segundo: Além das milhões de cópias de E.T. também foram enterradas outras milhões de PacMan. Esse sim é uma b&*$ de um jogo de Atari. Talvez sua parte mais famosa seja um trecho da música de abertura usado pelo SBT na vinheta de Chaves. Tinha também outras milhares de cópias de Space Invaders, Centipede e Asteroids na vala de Alamogordo.

Terceiro: o mercado estava saturado de porcarias. Se você foi desmamado com Playstation, não sabe o que é ter um “clone” de um console. O Atari era muito caro? Não tem problema, compra um Dactar.

Era assim que funcionava: as empresas maiores fabricavam os jogos e as menores iam lá, aplicavam engenharia reversa e trocavam alguns detalhes, no estilo “copia, mas não deixa igual”. Algumas empresas, como a Coleco, mudavam totalmente de ramo só para fincar o pé e dizer que trabalhava com tecnologia. Sabe o que é Coleco? Connecticut Leather Company, praticamente um curtume que passou a fazer videogames.

Com os jogos era igual, com um zilhão de companhias despejando jogos merda no mercado. O site AtariAge, um dos maiores repositórios de informações sobre os jogos da Atari, lista ao todo mais de 220 companhias envolvidas na produção de jogos e hardware para o Atari 2600. Boa parte desses nomes aparece catalogado com apenas uma cópia de jogo. Caso da brasileira Tiger Vision e sua cópia “for exports” de Pitfall.

E.T. foi o bode expiatório, o nome escolhido para simbolizar e carregar sozinho a culpa por toda uma série de erros e malfeitos das empresas. Com muito mais tempo para arrumar os erros, alguns programadores “consertaram” o jogo. Minha opinião: com o devido tempo de produção, ele poderia realmente ter sido o grande sucesso que se esperava. Aqui tem o link para baixar essa versão aprimorada de E.T. https://olondrinense.com.br/wp-content/uploads/2019/02/BIO_CALSAVARA-2-1024×768.jpg

“Eu até prefiro quando pessoas apontam E.T como o pior do mundo, porque eu também fiz Yars Revenge, que é frequentemente citado como um dos melhores. Então, entre os dois, tenho a maior gama de qualquer desenvolvedor na história!” – Howard Warshaw.
Fábio Calsavara

É jornalista e gamer raiz. Do tempo em que criança jogava fliperama em boteco de rodoviária.