Por Alessandra Diehl
O comportamento cyber, ou cibercultura, começou a se desenvolver com o surgimento da microinformática nos anos 1970. Esse período marcou o início da convergência tecnológica e o estabelecimento dos computadores pessoais (PCs). Nos anos 1980 e 1990, a popularização da internet e a transformação dos PCs em “computadores coletivos” conectados ao ciberespaço impulsionaram ainda mais a cibercultura. Como poderíamos imaginar que, quando Mark Zuckerberg criou o Facebook, em 2004, enquanto ainda estava no segundo ano da faculdade em Harvard, teríamos, através da tecnologia, o nascimento de um novo fenômeno social global com diferentes impactos psicológicos e psiquiátricos na população?
Do ponto de vista psicológico, a criação do Facebook pode ser vista como uma tentativa de atender à necessidade humana de conexão social e pertencimento. Zuckerberg percebeu que as pessoas desejavam uma plataforma onde pudessem se expressar, compartilhar suas vidas e se conectar com amigos e familiares de maneira mais eficiente. Além disso, ele tinha um forte interesse em entender e melhorar a forma como as pessoas interagem on-line, o que o motivou a desenvolver uma rede social que fosse intuitiva e envolvente.
Quando Steve Jobs apresentou o primeiro iPhone ao mundo em 9 de janeiro de 2007, durante a conferência Macworld Expo poderíamos imaginar que este fenômeno social de conexão do homem e o celular com multifunções se ampliaria como vemos atualmente?
Para a gente ter uma pequena ideia desta conexão, dados do Global Digital Repot 2024, mostram que os brasileiros passam, em média, cerca de 9 horas e 13 minutos por dia conectados à internet. Esse tempo inclui atividades tanto de trabalho quanto de lazer, como uso de redes sociais, streaming de vídeos e navegação em sites. O Brasil ocupa o segundo lugar do ranking, o primeiro é a África do Sul.
Obviamente, não estamos aqui para “demonizar” todas estas invenções modernas! Mas é fato que essas mudanças mostram como a internet/tecnologia transformou diversos aspectos da vida cotidiana, trazendo tanto benefícios quanto desafios. Vários estudos sobre esta redes sociais já sinalizam que as pessoas avaliadas experimentaram uma série de consequências prejudiciais para sua saúde mental, incluindo depressão, ansiedade, ideação suicida e ataques de pânico.

Tecnologia e a ilusão da companhia
Um outro desafio do uso da tecnologia e das redes sociais é a solidão, o qual pode ser compreendida dentro do fenômeno chamado de “sozinhos juntos”. Em outras palavras, refere-se à esta situação em que fisicamente estamos sozinhos, mas conectados digitalmente através de tecnologias como redes sociais de relacionamentos e aplicativos de encontros. A ideia aqui é que apesar de estarmos constantemente conectados através da tecnologia, muitas vezes nos sentimos mais infelizes, isolados e solitários.
Este fenômeno foi bastante discutido no livro intitulado “Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other” que, na tradução livre para o nosso idioma, seria “Sozinhos Juntos: Por Que Esperamos Mais da Tecnologia e Menos Uns dos Outros” escrito pela psicóloga Sherry Turkle. Ela explora como a tecnologia tem transformado a forma como nos relacionamos uns com os outros, pois mudou a maneira que conhecemos e abordamos potenciais parcerias românticas e/ou sexuais e como construímos nossos mundos internos a partir destas vivências.
Um dos seus argumentos é que, enquanto a tecnologia tende a facilitar a nossa comunicação, ela também diminui nossas expectativas em relação aos outros seres humanos. Turke sinaliza que a tecnologia cria uma ilusão de companhia, onde interações on-line são confundidas com comunicação verdadeira ou genuína, levando a uma nova forma de solidão. Ela também aborda como a tecnologia afeta as relações entre amigos, amantes e famílias, e como ela pode criar instabilidades na compreensão de privacidade, comunidade e intimidade.
Há vários estudos interessantes sobre a associação da solidão com o uso de tecnologias digitais. Curiosamente, mais estudos apontando a solidão entre jovens do que em idosos. Esses mesmos jovens nascidos da era digital e usuários ativos de vários apps e de muita tecnologia para se relacionar com conexões superficiais, comparação social e hiperconectividade. A solidão também tem impactos na saúde física, uma vez que pode aumentar em 40% o risco de demência e tornar as pessoas mais vulneráveis a doenças neurodegenerativas, hipertensão e diabetes.
Desconectar um pouco, fazendo uso com mais moderação e tentar aproveitar o momento presente das experiências sem estar conectado parece ser a recomendação de vários especialistas ao redor do mundo. Experiências reais tendem a trazer menor sensação de solidão. Portanto, desconecte-se!

Alessandra Diehl
Psiquiatra, membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Drogas (ABEAD) e membro da Associação Paranaense de Psiquiatria (APPsiq). @dra.alessandradiehl
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