Por Alesandra Diehl e Rogério Bosso (*)
A prescrição de analgésicos opioides (ex. Tramadol, Hidromorfona, Metadona, Morfina, Oxicodona, Hidrocodona, Oximorfona, Fentanil) para o controle da dor – particularmente para o controle da dor crônica não oncológica (CNCP) – aumentou mais de quatro vezes nos Estados Unidos da América (EUA) desde meados da década de 1990.
Este fenômeno também vem sendo observado em vários outros lugares do mundo, como Europa, onde as taxas de consumo ainda não são epidêmicas como nos EUA. O consumo global de opioides aumentou várias vezes após 2000, desproporcionalmente em países de alta renda, com consequências graves de mortalidade/morbidade.
A América Latina apresenta uma disponibilidade de opioides comparativamente baixa. Apesar de alguns indicadores essenciais, os dados relacionados aos opioides são limitados para o Brasil. Os dados indicam que a disponibilidade de prescritos em nível populacional representa apenas uma pequena fração do uso em comparação com países de alta renda. No entanto, na América Latina, o Brasil ocupa um nível médio de consumo dessas substâncias, indicando um consumo relativamente moderado em comparação com as jurisdições vizinhas.
O Brasil implementou regulamentações restritivas à prescrição de opioides e é considerado ‘altamente restrito’ para o acesso. A codeína continua sendo o principal analgésico opioide utilizado, mas os mais fortes, como a oxicodona, estão se tornando mais comuns. O conhecimento profissional sobre o uso e efeitos de opioides médicos parece limitado. Pesquisas nacionais indicam aumentos no uso não médico de opioides prescritos, embora abaixo do observado na América do Norte, enquanto os ilícitos (por exemplo, heroína) são altamente incomuns.
A Geração Z
No entanto, há notícias de que os opioides estão entre os “venenos” preferidos da geração Z (nascidos na primeira década do século XXI). Batizado de fármaco-recreação, o comportamento reforça a vontade dessa garotada de colocar a vida em teste e experimentar “de um tudo”. Entre as razões para o aumento do uso de medicamentos na geração Z não estão apenas a vontade de “hackear” o próprio corpo e aumentar as próprias capacidades, mas também, a busca pelo efeito colateral do remédio e, no caso dos opioides, a busca literalmente é de se sentir “anestesiado”.
Os jovens dessa geração têm um perfil diferenciado e crítico. Em geral, eles passam longas horas na internet, o que os torna mais vulneráveis aos impactos das redes sociais sobre a saúde mental. Essa geração tem extrema dificuldade de lidar com frustrações. Bastante imediatistas, a geração ainda não aprendeu que, diferentemente da instantaneidade do mundo virtual, a vida não se resume a este espaço. E é justamente aí que mora o perigo de usar fármacos e analgésicos para lidar com dor e frustrações.
Opioides causam dependência e overdose
Por outro lado, existem evidências crescentes de que os opioides têm apenas eficácia limitada no tratamento da dor crônica e o aumento da disponibilidade de prescritos tem contribuído para o aumento de casos de dependência e mortes por overdose. Precisamos avançar no reconhecimento da dor crônica como uma condição de saúde.
Essas preocupações têm levado a uma revisão crítica e modificação de práticas anteriores de controle da dor, mas as mudanças tão necessárias na prática clínica serão facilitadas por uma melhor compreensão da farmacologia e dos efeitos comportamentais de opioides que fundamentam tanto seus efeitos terapêuticos (analgesia) quanto seus efeitos adversos (dependência e overdose).
O que é dor crônica?
A dor crônica (definida como dor que persiste ou recorre por mais de 3 meses) afeta milhões de pessoas no mundo. Trata-se de uma importante fonte de sofrimento, pois interfere no funcionamento diário e, muitas vezes, é acompanhada de muita angústia, exercendo uma enorme carga pessoal e econômica, afetando mais de 30% das pessoas em todo o mundo.
No cerne do problema da dor crônica permanecem os complexos aspectos psicossociais associados à convivência com a dor crônica. Dada a sobreposição entre dor crônica e saúde mental, uma abordagem de tratamento promissora é melhorar a forma como integramos a psiquiatria no tratamento da dor.
Nas síndromes de dor crônica, a dor pode ser a queixa única ou principal e requer tratamento e cuidados especiais. Em condições como fibromialgia ou lombalgia inespecífica, a dor crônica pode ser concebida como uma doença em si, de um subgrupo de “dor crônica primária”.
Em outros 6 subgrupos, a dor é secundária a uma doença subjacente: dor crônica relacionada ao câncer, dor neuropática crônica, dor visceral crônica secundária, dor crônica pós-traumática e pós-cirúrgica, cefaleia secundária crônica e dor orofacial e dor musculoesquelética secundária crônica. O modelo biopsicossocial da dor domina a compreensão da comunidade científica sobre a dor crônica. De fato, a abordagem biopsicossocial descreve a dor e a incapacidade como uma integração multidimensional e dinâmica entre fatores fisiológicos, psicológicos e sociais que se influenciam reciprocamente.
Como manejar a dor crônica?
Ensaios clínicos e diretrizes geralmente recomendam uma abordagem de tratamento multimodal e interdisciplinar personalizada, que pode incluir farmacoterapia, psicoterapia e tratamentos integrativos. Há evidências moderadas de que as intervenções baseadas em mindfulness, como meditação, ioga e redução do estresse, diminuem a percepção da dor, aumentam a mobilidade, melhoram o funcionamento e o bem-estar.
Ao integrar mindfulness e outras intervenções terapêuticas em um plano multidisciplinar de gerenciamento da dor, os médicos podem melhorar os resultados do tratamento e potencialmente diminuir a utilização de medicamentos relacionados à dor.
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(*) Alessandra Diehl – É psiquiatra em Londrina e atual presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD). Rogério Bosso – É psicólogo em Campinas e coordenador do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera de Campinas – Taquaral.
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