Por Alessandra Diehl (*)
Em junho de 2021, foi o 40º aniversário da primeira descrição da infecção por HIV/AIDS no mundo. Muitos progressos observamos desde lá, graças aos esforços conjuntos de pesquisadores, profissionais da saúde, movimentos sociais, ativistas, governos e, principalmente, de pessoas vivendo com o HIV e seus familiares. As intervenções existentes para prevenção e tratamento do HIV/AIDS foram ampliados e novas ferramentas, como a profilaxia pré exposição (PrEP) e preparações de medicamentos de longa duração foram introduzidas. Os papéis dos testes de HIV e da terapia antirretroviral (TARV) para tratamento e para a prevenção foram esclarecidas, e a necessidade de TARV imediata para todas as pessoas infectadas pelo HIV vem sendo comprovada.
O terceiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS-3) tem como meta acabar com a epidemia de HIV/AIDS até 2030. Isso será alcançado quando o número de novas infecções por HIV e mortes relacionadas à AIDS diminuir em 90% entre 2010 e 2030. Atualmente, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) estima que, em 2019, 38 milhões de pessoas em todo o mundo vivam com HIV, 1,7 milhão foram infectadas recentemente e 690.000 morreram com a doença do HIV.
Parte das estratégias para minorar este cenário estão as ações que atinjam as chamadas populações-chave, entre elas estão os usuários de drogas. Ações estas que visam a prevenção primária e o diagnóstico e tratamento de pessoas infectadas de forma o mais precoce possível. Embora permaneça uma grande necessidade, os últimos anos observou-se poucas ações programáticas em relação às prioridades de HIV/AIDS nesta população no Brasil; muito embora tenha havido expansão de serviços de acolhimento para usuários de drogas no país.
Por outro lado, será que estamos de fato trabalhando no Brasil para reduzir HIV/AIDS em usuários de substâncias? A prevalência combinada de HIV entre estudos direcionados em usuários de substâncias no Brasil é de 23,1 (IC 95%: 16,7-30,2). Atenção especial neste contexto deve ser dada aos determinantes comportamentais e sociais críticos que corroboram por grandes disparidades de raça/etnia, privação social, baixa escolaridade e pobreza, os quais persistem neste campo de cuidado e, muito provavelmente, elevam as taxas de prevalência em determinadas interseccionalidades. Por exemplo, pesquisas mostram que a conclusão do ensino secundário pode reduzir o risco de uma menina adquirir o HIV em 50%. Nos Estados Unidos, a população total nacional afro-americana é 12%, mas representa 41% dos novos diagnósticos de HIV e mortes relacionadas à AIDS.
A população de usuários de substâncias deve ser alvo de estratégias de prevenção focadas em fornecer informações, aconselhamento e testagem rápida e confirmatória, bem como, meios concretos para promover mudanças de comportamento mais seguros (por exemplo, acesso a preservativos e tratamento do abuso de drogas), adaptados às necessidades específicas do gênero e da cultura, respeitando os direitos humanos, combatendo o estigma e isentos de fundamentalismos religiosos que discrimine, segregue ou impeça a inclusão de cuidados, a garantia de direitos e de dignidade.
Além disto, mais programas que prestem esses serviços/cuidados precisam ser implementados nos serviços públicos de saúde de todo o país num trabalho em rede com os serviços que atendem usuários de substâncias. Estes últimos, por sua vez, precisam se apropriar mais de parte destas ações incluindo informações e aconselhamento em educação sexual dentro de seus planos terapêuticos individuais e coletivos.
Pesquisa que avaliou o Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/AIDS – Brasil com uma amostra de 1.784 pessoas em 2019 revelou que para 81% das pessoas entrevistadas ainda é muito difícil revelar que vivem com HIV. Com relação aos serviços de saúde, 15,3% das pessoas entrevistadas afirmaram ter sofrido algum tipo de discriminação por parte de profissionais da saúde pelo fato de viverem com HIV ou com AIDS, incluindo atitudes como o esquivamento do contato físico (6,8%) e a quebra de sigilo sem consentimento (5,8%). Além disto, quase a metade dos respondentes (47,9%) declararam ter sido diagnosticados com algum problema de saúde mental nos últimos 12 meses.
Precisamos acabar com o duplo estigma (ser usuário de substâncias e/ou portador de um transtorno mental e ser uma pessoa vivendo com HIV), uma vez que o estigma e a discriminação estão entre as principais barreiras para o acesso a cuidados de prevenção, testagem para o HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e para o tratamento de ambas as condições. O preconceito tem se demonstrado como um dos grandes obstáculos para o início e adesão ao tratamento, além de ter um impacto negativo nas relações sociais nos âmbitos familiar, comunitário, de trabalho, entre outros.
(*) Psiquiatra em Londrina e atual presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas
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