Suicídio: rompa o silêncio!

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Até você terminar de ler este parágrafo, uma pessoa vai ter se suicidado no mundo. O suicídio é um fenômeno presente desde os primórdios da história da humanidade, mas foi somente em 1827, com Esquirol que adquiriu a conotação de um problema psiquiátrico e, apenas recentemente, em 1976, passou a ser compreendido em uma abordagem mais biopsicossocial e um grave problema de saúde pública.

Entende-se por comportamento suicida o ato pelo qual o indivíduo se agride, independentemente de quão letal seja essa ação ou mesmo sem reconhecimento genuíno dessa atitude. Assim, o comportamento suicida engloba pensamentos, gestos e atitudes autodestrutivos até o ato de deliberadamente matar a si mesmo.

Todos os dias, 32 brasileiros tiram a própria vida. Quase 1 milhão de pessoas se matam por ano, uma a cada 40 segundos – são mais vítimas que todas as guerras, homicídios e conflitos civis somados. E, para cada morte por suicídio, existem outras 10 ou 20 pessoas que já tentaram fazer o mesmo.

Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), no mundo, são registrados em torno de 800.000 mortes por suicídio por ano, o que equivale a 10,7 casos por 100 mil habitantes. O Brasil, especificamente, apresentou em 2015 a taxa de suicídio geral de 6,3 casos por 100 mil habitantes. Apesar de apresentar taxas relativamente menores que a média mundial, e mesmo que a média no continente americano (9,6 por 100 mil habitantes), verifica-se no País uma tendência preocupante ao aumento das taxas de suicídio entre a população.

Alguns grupos populacionais específicos têm apresentado taxas alarmantes de suicídio. Um destes grupos são os adolescentes e jovens adultos. Apesar de a idade ser um fator de risco para suicídio (quanto maior a idade, maior o risco), o ato de tirar a própria vida tem aumentado na faixa etária mais jovem, sendo hoje já a segunda causa de morte entre 15 e 29 anos de idade. A incidência entre adolescentes nunca foi tão alta. Hoje, o quadro de depressão e do consumo de substâncias atinge uma parcela considerável dessa população.

Como os meios de comunicação continuam a evoluir, a exposição dos adolescentes a conteúdo controversos provavelmente continuará a crescer. Um dilema fundamental neste contexto é como a mídia de entretenimento pode aumentar a conscientização para sérios problemas de saúde mental entre os jovens – sem, contudo, causar danos.

Um exemplo disto foi a série 13 Reasons Why, Hannah Baker, lançada pela Netflix, em 2018, onde a protagonista tirou sua própria vida após sofrer bullying. Na história, a menina de 17 anos ganha o rótulo de “fácil” na escola, é estuprada e acaba isolada dos colegas. Até que decide se matar, e deixar 13 fitas cassetes explicando os motivos que a levaram a isso.

A popularidade da série levantou muitas críticas sobre a mesma, pois inclui um conteúdo desafiador direcionado a um público adolescente amplamente não supervisionado e irrestrito.  Parte desse público pode ser incapaz de processar a complexidade da história e ainda alguns adolescentes vulneráveis podem interpretar o enredo como uma glamourização do suicídio.

A série foi muito criticada e é desaconselhada por várias entidades ligadas ao tema, por receio ao “efeito Werther” – o nome do fenômeno origina do romance Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, cujo protagonista se mata após ser rejeitado pela amada. O tom depressivo do livro, publicado em 1774, provocou uma comoção entre jovens da época, que seguiram o personagem e também se suicidaram.

O fenômeno goethiano é comprovado pela ciência: médicos da Universidade de Viena analisaram 98 casos de suicídio de famosos e perceberam que reportagens sensacionalistas, que glamorizavam a morte de celebridades, estimulavam o “suicídio por imitação”. Em 1962, quando a imprensa confirmou que Marilyn Monroe havia se matado, a taxa de suicídio cresceu 12% nos EUA.

No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV), que é um dos serviços de apoio e de prevenção ao suicídio do País, sentiu o efeito negativo da série. Na primeira semana de abril do ano passado, logo após o lançamento da trama, a média diária de pedidos de ajuda por e-mail passou de 55 para mais de 300 (um aumento de 445%), muitos deles mencionando o enredo de Hannah Baker. 

Motivado e preocupado com este aumento, as autoridades brasileiras criaram a Lei nº 13.819, sancionada em abril de 2019. A legislação institui uma política nacional para prevenção de suicídio e automutilação. Estas ações vão de encontro às novas políticas de intervenções que vêm sendo adotadas em todo o mundo com relação ao comportamento suicida.

Em 2014, a OMS lançou um relatório intitulado Prevenir o Suicídio – Um imperativo global”, em que lança as bases para um projeto que visa a redução da taxa de suicídio em 10% nos países envolvidos até 2020. Para isto, foca-se no combate ao estigma e na destruição de “mitos” relacionados ao tema.

Ideias como “pessoas que falam sobre suicídio não o cometem” ou “falar sobre o suicídio pode ser interpretado como um encorajamento ao ato” são completamente errôneas e prejudicam uma adequada abordagem dessas pessoas. Além disso, o estigma que até hoje permeia o assunto, leva muitas pessoas a não falarem sobre si e acarreta ainda uma subnotificação dos atos e tentativas de suicídio por profissionais de saúde, seja por solicitação de familiares ou por questões pessoais. Por isto, é necessário romper o silêncio!

Pode não ser agradável falar sobre quem se matou ou tentou se matar ou quem está pensando em fazer isto. Ao mesmo tempo, discutir o assunto – e entender os fatores que levam a ele – são uma das várias ferramentas que temos contra a violência cometida a si mesmo.

A verdade é que o suicídio pode ser prevenido, e devemos estar atentos aos sinais e pedidos de ajuda que as pessoas possam dar. Indivíduos que têm predisposição genética, que já tentaram cometer suicídio anteriormente ou aqueles que passam por depressão, desilusão e nutrem sentimentos de desesperança diante da vida, fazem uso de álcool e outras drogas, além daqueles que possuem traços impulsivos de mudança de personalidade, devem ser acompanhados de perto por um especialista.

As intervenções para a prevenção do suicídio podem ser de três tipos:

  1. Universal: políticas públicas que visam atingir toda a população, como melhorar e garantir o acesso aos serviços de saúde, elaborar políticas de saúde mental e restringir o acesso aos meios utilizados para suicídio.
  2. Seletivas: políticas que visam grupos específicos ou minorias, como treinar os profissionais e educadores que estão em contato com adolescentes, divulgar números de “helplines” e orientações gerais a populações vulneráveis.
  3. Individuais: intervenções para indivíduos vulneráveis específicos, como o manejo de pacientes que já apresentaram tentativas de suicídio ou o tratamento de pacientes com transtornos mentais e uso de substâncias.

Foto: Pixabay

Alessandra Diehl

Psiquiatra, educadora sexual, escritora, especialista em Dependência Química e Sexualidade Humana.

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Uma resposta

  1. Excelente abordagem. Precisamos falar sim, mas com responsabilidade. A OMS tem uma cartilha para a imprensa, mas 0,0000 quase nada de jornalistas a conhece ou a respeita. Está disponível na web.

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