Durante a década de 90, as pesquisas nacionais entre os jovens da Islândia mostravam um aumento constante no consumo de substâncias entre adolescentes de 15 e 16 anos. Naquela época, 42% dos alunos da 10ª série daquele país, afirmaram já ter consumido bebida alcoólica durante os últimos 30 dias e 23% relataram fumar cigarros diariamente. Esse fato colocava os adolescentes da Islândia entre os sete maiores consumidores de álcool, tabaco e outras drogas entre os 21 países avaliados.
No entanto, mais de 15 anos depois desse cenário preocupante, a pesquisa anual sobre a Juventude na Islândia de 2013 mostrou que as altas taxas de uso de substâncias em 1997 haviam caído para menos de 5%. Entre outras variáveis desta pesquisa bianual no país, são coletados dados sobre padrões de consumo (similares ao estudo americano Monitoring The Future em escolares já bem conhecido desde 1975), além de coletar informações sobre as características das famílias, evasão escolar e problemas emocionais entre os jovens. Estes dados são rapidamente e exaustivamente comunicados aos professores, pais, gestores e para a toda a sociedade.
Como o país conseguiu esse feito? Bem, em parte esse sucesso deve-se às estratégias de prevenção primária adotadas no pequeno país, cuja população era 364.134 habitantes no final dos anos 90. A ideia central por trás dessa abordagem de prevenção foi bem simples: fortalecer uma série de fatores de proteção da comunidade, por exemplo, monitoramento parental, melhorar o tipo de comunicação entre pais e filhos e aumentar o envolvimento social dos adolescentes na participação em esportes, música, teatro e dança de forma organizada e, paralelamente, diminuir os fatores de risco no estilo de vida e horas ociosas sem supervisão.
O programa entendeu que era muito ingênuo apenas ensinar às crianças e adolescentes sobre os efeitos negativos do uso de drogas ou então, apenas treinar professores para terem estas informações. Era necessário aumentar o tempo de qualidade que as famílias passavam com seus filhos, além da maior oferta de atividades saudáveis para diminuir o consumo de substâncias entre os jovens no país. Também não cometeram erros contumazes de outros programas que fazem intervenções de prevenção e promoção de saúde somente na adolescência ou de forma pontual em forma de palestras, as quais têm impacto quase nulo para a diminuição do consumo de álcool e outras drogas entre jovens.
Prevenção é algo sistemático e que deve começar em idades bastante precoces. Os diretores do programa também compreenderam que era necessário avaliar o impacto de suas ações para verificar se estavam indo por um caminho adequado. Sabemos que prevenção não é uma tarefa fácil, em geral, leva tempo e empenho, e se não for conduzida de forma adequada pode gerar diversas iatrogenias, muitas vezes, irreparáveis. Soma-se que as ações envolvem dinheiro público, o qual deve ser claramente explicitado e revertido em resultados práticos.
O impacto positivo dessa abordagem transdisciplinar para promoção da saúde que integra a escola e outras ações de prevenção de base comunitária na Islândia vem sendo avaliado ao longo do tempo através de estudos científicos publicados em revistas de renome internacional. Um destes estudos foi publicado em 2010 e utilizou um desenho de estudo grupo controle quase experimental e não randomizado com critérios de inclusão bem rigorosos.
Outro estudo, publicado em 2016 na revista Addiction por Alfgeir Kristjansson, mostrou que o uso de substâncias diminuiu consistentemente durante o período de 1997 a 2014. Por exemplo, a intoxicação por álcool nos últimos 30 dias diminuiu de 29,6% em 1997, para 3,6% em 2014, e o uso de nicotina diário durante os últimos 30 dias diminuiu de 17% para 1,6% durante o mesmo período. Fatores de prevenção primária foram fortalecidos ao longo do tempo. Por exemplo, a pontuação média para os pais que sabiam onde seus filhos estavam à noite aumentou de 2,44 em 1997 para 3,08 em 2014.
A Islândia nos ensina que é possível integrar pesquisa e prática de forma eficaz usando três pilares de sucesso (evidências, comunidade e diálogo/comunicação). Por meio de um ‘kit de ferramentas’ padronizado de métodos de pesquisa que, quando usado de forma consistente ao longo do tempo, fornece informações importantes para as partes interessadas tomarem decisões específicas da comunidade com uma alta probabilidade de alcançar um resultado bem-sucedido. Felizmente, esta abordagem já vem sendo consultada e de certa forma replicada em outros países maiores da Europa e também na América Latina, onde certamente devem fazer uma adaptação cultural para a suas realidades locais, bem como suas dimensões sociogeográficas.
Alessandra Diehl
Psiquiatra, especialista em dependência química e vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos Sobre o Álcool e Outras Drogas
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