Skip to content

A realidade simplificada

Por Clodomiro Bannwart

Querido diário!

Ontem, eu conversava com um amigo bolsonarista. Não demorou três minutos para ele me enquadrar como comunista, esquerdista e petralha (rsss!!!) Hoje, qualquer cidadão que faça críticas ao atual governo é encapsulado no combo acima, acompanhado de bazófias ululantes (Peço vênia para esclarecer que ululante não tem nada a ver com Lula, ok?).

Parece-me que a maior cartada política da atualidade foi a extrema-direita ter simplificado a compreensão da realidade aos idiótes (do grego, idiotas: aqueles que manifestavam desinteresse pelo Estado; que ignoravam os assuntos públicos). Enquanto o campo progressista aposta na educação (Paideia) como forma de extirpar a ignorância (individual e coletiva) e de compreender a complexidade social do mundo contemporâneo, a extrema-direita se vale da simplificação do mundo em categorias binárias.

O mundo passa a ser dividido em homem de bem e bandido. Não há outra opção. Família, de um lado, e os que querem destruir a família, de outro. Patriota e inimigos da nação. Deus e o demônio. Se você não está de um lado, necessariamente estará do outro. Fica fácil encaixar tudo, não? Parece que Nelson Rodrigues continua nosso contemporâneo, quando disse que “os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.

É mais fácil e cômodo ao idiota da aldeia (para usar a expressão de Umberto Eco) tachar o outro de esquerdista ou de bandido do que procurar entender o lugar que ele ocupa na sociedade e de como a estrutura social se organiza e legitima sua dinâmica. Qualquer entendimento, por menor que seja, exige conhecimento. E adquirir conhecimento não é fácil. Requer estudo, leitura e dedicação.

Mas, afinal, para que estudar se o WhatsApp constitui fonte a jorrar verdades cristalinas diariamente? Verdades esquematizadas em uma frase solta acompanhada de um meme. Exemplo é o pobre coitado que estacionou o carro na garagem ad eternum porque não consegue mais abastecê-lo, faz arminha, grita mito e acredita que a política de preços praticada pela Petrobras é culpa dos comunistas. Pobre alma. Enquanto isso a política é gerida pelos tataranetos de Maquiavel.

A simplificação do mundo vem de longe. Sempre foi pedagogia de alguns segmentos religiosos a infantilização da fé. Muitos líderes religiosos consideram seus fiéis hipossuficientes. Colocam-se como pastores de ovelhas bobinhas, condutores de turba bovina. Tratam os seus seguidores como menores, como crianças. Fato a revelar uma escancarada pedofilia intelectual, que muitas vezes é transposta, infelizmente, para o campo sexual.

A infantilização da fé traça o caminho binário que a extrema direita ajudou a pavimentar. Durante a Semana Santa, o que se viu foi o cristão chorar piedosamente por Cristo torturado e morto na cruz, ao mesmo tempo que ostentou seu comportamento de Barrabás a apoiar torturadores e ditadores no campo político.

P.S. – Maquiavel manda lembranças aos seus tataranetos convertidos.

Clodomiro José Bannwart Júnior

Professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina. Coordenador do Curso de Especialização em Filosofia Política e Jurídica da UEL. Membro da Academia de Letras de Londrina.

Foto: VisualHunt

Compartilhar:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Designed using Magazine Hoot. Powered by WordPress.