Cenas como a da babá pulando do prédio, nesta semana, para fugir dos maus-tratos de sua empregadora, são cada vez mais comuns.
Uma mulher de 25 anos desempregada. O desespero para prover alimento e para si e para os seus. Um anúncio na internet de oferta de emprego. A contratação. O aprisionamento. Os maus-tratos. O desespero para salvar sua vida. Um prédio. O pulo. Escoriações pelo corpo todo. E uma marca que ficará para sua vida.
Parece narrativa de um filme, retratando o longo período de segregação social, escravidão, miserabilidade. Mas, não! Essas informações são reais e datadas de agosto de 2021. Tal acontecimento horrendo veio à tona nesta semana e aconteceu em Salvador, capital da Bahia.
A babá Raiana Silva, de 25 anos, uma mulher negra, em uma atitude de total desespero, pulou do terceiro andar do prédio, no qual “trabalhava”, para salvar sua vida de uma patroa que a considerava sua posse, igual ao que ocorria lá na escravidão, quando os Senhores compravam os escravos – isso mesmo, pessoas negras eram mercadorias – e lhes imputavam castigos severos, os condicionavam a jornadas de trabalhos extenuantes, davam-lhes pouca alimentação e ainda abusavam sexualmente as mulheres negras.
Raiana, para salvar sua vida, fugiu do imóvel por uma janela, caiu e ficou no parapeito do segundo andar do prédio. A cena foi gravada por moradores da região. Raiana era mantida em cárcere privado.
Assistir ao depoimento de Raiana é de cortar o coração. Ele ficou o dia todo trancada em um banheiro após pedir demissão de um emprego que não queria mais. Tal situação serve de reflexão: Quantas Raianas estão vivendo a mesma situação? Quantas mulheres negras, pouco escolarizadas, pensando em sua sobrevivência, não caem em armadilhas profissionais e são condicionadas a atividades análogas à escravidão?
Infelizmente, levantamentos sociais comprovam que pessoas negras são resgatadas de trabalhos análogos à escravidão com maior recorrência. Dados da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho – do Ministério Público do Trabalho -, de 2016 a 2018, informam que a cada cinco trabalhadores resgatados, quatro são negros. Em dados percentuais, as pessoas negras são 82% dos libertos do trabalho escravo no Brasil, oriundos, em sua maioria, de estados do Nordeste.
Acontecimentos assim deveriam chocar a sociedade brasileira e exigir que Raianas e tantas outras mulheres tenham seus direitos básicos preservados. Há sujeitos em nossa convivência social que precisam de limites. E quando digo isso, refiro-me ao cumprimento das leis e não apenas gravações de vídeos com pedidos de desculpas.
Em Minas Gerais, no começo de 2021, outra mulher foi resgatada em circunstancia semelhante. A família chegou até casar a funcionária com um membro da composição familiar. Após a morte do esposo, seus patrões ficaram com sua alta pensão. Nunca lhe pagaram salários. Até itens básicos de higiene eram negados. Um descalabro!! Uma vergonha!
Vejam o horror da situação que Raiana enfrentou: entre 2003 e 2018 foram resgatadas 1.889 mulheres em situação de trabalho escravo moderno. Qual o perfil de tais mulheres, em sua maioria? Nordestinas, negras e sem conclusão do ensino fundamental. Este é o perfil da mulher tratada como escrava no Brasil. Uma mulher fragilizada socialmente, em situação de vulnerabilidade e um “prato cheio” para pessoas que atuam foram dos limites da dignidade humana.
Ainda nos consideram inferiores e servis. A escravidão ainda não acabou. Por isso nos imputam tais condições. Por favor, sociedade! Ajude-nos! Denuncie! As denúncias podem ser feitas ao Ministério Público do Trabalho, podem ser realizadas por meio do Disque 100 ou pelo site do Ministério Público do Trabalho.
Quem é Viviane Alexandrino
Sou a Viviane, tenho 36 anos e atuo como professora de Língua Portuguesa em colégios da cidade de Londrina. Além da formação em Letras Português, pela UEL, e mestranda em Estudos Literários pela referida instituição, sou formada também em Jornalismo, profissão essa que exerci durante 10 anos antes de me apaixonar pela educação.
Foto: Polina Tankilevitch no Pexels